31 março, 2018

Vigília Pascal - homilia do Papa Francisco

.
 Papa Francisco na Vigília Pascal  (ANSA)
 .
"A pedra do sepulcro desempenhou o seu papel, as mulheres fizeram a sua parte, agora o convite é dirigido mais uma vez a ti e a mim: convite a quebrar os hábitos rotineiros, renovar a nossa vida, as nossas escolhas e a nossa existência; convite que nos é dirigido na situação em que nos encontramos, naquilo que fazemos e somos" 

Cidade do Vaticano 

O Papa Francisco presidiu na noite do Sábado Santo na Basílica de São Pedro à Vigília Pascal, pronunciando a seguinte homilia:

“Começamos esta celebração no átrio externo, imersos na escuridão da noite e no frio que a acompanha. Sentimos o peso do silêncio diante da morte do Senhor, um silêncio em que cada um de nós se pode reconhecer e que penetra profundamente nas fendas do coração do discípulo, que, à vista da cruz, fica sem palavras.

São as horas do discípulo emudecido face à amargura gerada pela morte de Jesus: Que dizer diante desta realidade? O discípulo que fica sem palavras, tomando consciência das suas reações durante as horas cruciais da vida do Senhor: diante da injustiça que condenou o Mestre, os discípulos guardaram silêncio; diante das calúnias e falsos testemunhos sofridos pelo Mestre, os discípulos ficaram calados. Durante as horas difíceis e dolorosas da Paixão, os discípulos experimentaram, de forma dramática, a sua incapacidade de arriscar e falar a favor do Mestre; mais ainda, renegaram-No, esconderam-se, fugiram, ficaram calados (cf. Jo 18, 25-27).

É a noite do silêncio do discípulo que se sente enrijecido e paralisado, sem saber para onde ir diante de tantas situações dolorosas que o oprimem e envolvem. É o discípulo de hoje, emudecido diante duma realidade que se lhe impõe fazendo-lhe sentir e – pior ainda – crer que nada se pode fazer para vencer tantas injustiças que vivem na sua carne muitos dos nossos irmãos.

É o discípulo perplexo porque imerso numa rotina avassaladora que o priva da memória, faz calar a esperança e habitua-o ao «fez-se sempre assim». É o discípulo emudecido e ofuscado que acaba por se habituar e considerar normal a frase de Caifás: «Não vos dais conta de que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira» (Jo 11, 50).

E no meio dos nossos silêncios, quando calamos de modo tão oprimente, então começam a gritar as pedras (cf. Lc 19, 40: «Digo-vos que, se eles se calarem, gritarão as pedras») dando lugar ao maior anúncio que alguma vez a história tenha podido conter dentro de si: «Não está aqui, pois ressuscitou» (Mt 28, 6). A pedra do sepulcro gritou e, com o seu grito, anunciou a todos um novo caminho. Foi a criação a primeira a fazer ecoar o triunfo da Vida sobre todas as realidades que procuraram silenciar e amordaçar a alegria do evangelho. Foi a pedra do sepulcro a primeira a saltar e, à sua maneira, a entoar um cântico de louvor e entusiasmo, de júbilo e esperança no qual todos somos convidados a participar.

E se ontem, com as mulheres, contemplamos «Aquele que trespassaram» (Jo 19, 37, cf. Zc 12, 10), hoje, com elas, somos chamados a contemplar o túmulo vazio e ouvir as palavras do anjo: «Não tenhais medo! (…) Ressuscitou» (Mt 28, 5-6). Palavras que querem alcançar as nossas convicções e certezas mais profundas, as nossas maneiras de julgar e enfrentar os acontecimentos diários; especialmente o nosso modo de nos relacionarmos com os outros.

O túmulo vazio quer desafiar, mover, interpelar, mas sobretudo quer encorajar-nos a crer e confiar que Deus «Se faz presente» em qualquer situação, em qualquer pessoa, e que a sua luz pode chegar até aos ângulos mais imprevisíveis e fechados da existência. Ressuscitou da morte, ressuscitou do lugar donde ninguém esperava nada e espera-nos – como esperava as mulheres – para nos tornar participantes da sua obra da salvação.

Esta é a base e a força que temos, como cristãos, para gastar a nossa vida e o nosso ardor, inteligência, afetos e vontade na busca e, especialmente, na criação de caminhos de dignidade. «Não está aqui... Ressuscitou!» (28, 6). É o anúncio que sustenta a nossa esperança e a transforma em gestos concretos de caridade. Como precisamos de deixar que a nossa fragilidade seja ungida por esta experiência!

Como precisamos que a nossa fé seja renovada, que os nossos horizontes míopes sejam questionados e renovados por este anúncio! Jesus ressuscitou e, com Ele, ressurge a nossa esperança criativa para enfrentar os problemas atuais, porque sabemos que não estamos sozinhos.

Celebrar a Páscoa significa voltar a crer que Deus irrompe sem cessar nas nossas vicissitudes, desafiando os nossos determinismos uniformizadores e paralisantes. Celebrar a Páscoa significa deixar que Jesus vença aquela atitude pusilânime que tantas vezes nos cerca procurando sepultar qualquer tipo de esperança.

A pedra do sepulcro desempenhou o seu papel, as mulheres fizeram a sua parte, agora o convite é dirigido mais uma vez a ti e a mim: convite a quebrar os hábitos rotineiros, renovar a nossa vida, as nossas escolhas e a nossa existência; convite que nos é dirigido na situação em que nos encontramos, naquilo que fazemos e somos; com a «quota de poder» que temos. Queremos participar neste anúncio de vida ou ficaremos mudos perante os acontecimentos?

Não está aqui, ressuscitou! E espera por ti na Galileia, convida-te a voltar ao tempo e lugar do primeiro amor, para te dizer: «Não tenhas medo, segue-Me»".

-----------------------------------

Basílica de São Pedro - Vigília Pascal na Noite Santa presidida pelo Papa Francisco

VATICAN NEWS

Reflexão para o Sábado Santo

.
 Santo Sepulcro, em Jerusalém
.
"Como Maria, com o coração de luto, a Igreja aguarda esperançosa, que a promessa de Cristo se cumpra, que ele surja, que ele ressuscite. A ausência não é experiência do vazio, mas aprofunda a presença desejada!" 

Padre César Augusto dos Santos SJ - Cidade do Vaticano 

Hoje fazemos a experiência do vazio. O Senhor cumpriu a sua missão redimindo-nos, através de sua paixão e cruz, através da sua entrega até à morte. Na noite passada contemplamos o sepultamento de seu corpo.
Agora, nesta manhã de sábado, a saudade está presente, mas uma saudade cheia de paz e de esperança.
Como Maria, com o coração de luto, a Igreja aguarda esperançosa, que a promessa de Cristo se cumpra, que ele surja, que ele ressuscite. A ausência não é a experiência do vazio, mas aprofunda a presença desejada!
Podemos recordar e refletir sobre os sábados santos da nossa vida, as nossas experiências do vazio após sofrimentos e perdas. 
Como vivenciamos esses mistérios dolorosos quando irromperam na nossa existência? Permitimos que a luz da fé na certeza da vitória da Vida, iluminasse a nossa mente e aquecesse nosso coração? Preenchemos esse vazio abrindo as portas de nosso coração a Jesus, Palavra de Vida, de Eternidade? Ou fragilizamo-nos mais ainda, permitindo que a escuridão da morte nos envolvesse?
Jesus é Vida! Nossa Senhora, a verdadeira discípula, na manhã de sábado permaneceu, apesar da dor, do luto, esperançosa. Ela acreditou nas palavras do seu Filho e não permitiu que o sofrimento pela perda dissesse a última palavra, mas que a palavra definitiva seria a promessa do seu Filho, a própria Palavra, que disse que iria ressuscitar que ele era o Caminho, a Verdade, a Vida!
Hoje à noite iremos celebrar a Vitória da Vida, a ressurreição de Jesus, o encontro do Filho ressuscitado com a Mãe que deixará de ser a Senhora das Dores, para ser a Senhora da Glória.
Contudo, para nós que perdemos entes queridos, esse encontro ainda não aconteceu e sabemos que nesta vida, não acontecerá. Como viver, então, a Páscoa da Ressurreição?
A nossa vida deverá ser um permanente Sábado Santo, não com o vazio, mas pleno de fé, de esperança na certeza da vitória da Vida e que também teremos o reencontro que Maria teve, e será para sempre! Quanto mais nos deixarmos envolver pela Palavra de Vida, que é Jesus, mais nos aproximaremos da tarde da ressurreição; de modo mais intenso essa palavra irá iluminar-nos e aquecer.

Reflexão para o Sábado Santo

VATICAN NEWS

30 março, 2018

Via-Sacra: vergonha, arrependimento e esperança diante do Senhor

.
 Papa presidiu à Via-Sacra no Coliseu de Roma  (AFP or licensors)
.
Depois das 14 estações da Via-Sacra no Coliseu de Roma, o Papa concluiu a cerimónia com uma tocante oração. 

Cidade do Vaticano –

O Papa Francisco presidiu à Via-Sacra no Coliseu de Roma nesta Sexta-feira Santa. No final das meditações preparadas este ano por um grupo de jovens, o Pontífice fez uma oração, em que usou três palavras com as quais devemos olhar para Jesus: vergonha, arrependimento e esperança. 

Vergonha por termos perdido a vergonha, arrependimento que brota da certeza de que somente o Senhor nos pode salvar do mal, e esperança porque da cruz de Cristo desabrochou a Ressurreição.

Oração no final da Via-Sacra no Coliseu
Papa Francisco

Senhor Jesus, a vós dirigimos o nosso olhar cheio de vergonha, de arrependimento e de esperança.
Diante do vosso amor supremo, que a vergonha nos invada por vos ter deixado só, a sofrer pelos nossos pecados: 

- vergonha por ter fugido diante da provação, apesar de vos ter dito milhares de vezes: “Mesmo se todos vos deixarem, eu jamais vos deixarei”;
- vergonha por termos escolhido Barrabás e não a vós, o poder e não a vós, as aparências e não a vós, o deus dinheiro e não a vós, o mundanismo e não a eternidade;
- vergonha por ter-vos tentado com a boca e com o coração, todas as vezes que nos encontramos diante de uma provação, dizendo: “Se fordes o Messias, salvai-nos e nós acreditaremos”!;
- vergonha porque tantas pessoas, até alguns dos vossos ministros, deixaram-se enganar pela ambição e pela vanglória, perdendo a sua dignidade e o seu primeiro amor;
- vergonha porque as nossas gerações estão a deixar aos jovens um mundo fraturado pelas divisões e pelas guerras; um mundo devorado pelo egoísmo, onde jovens, pequenos, enfermos e  idosos são marginalizados;
-  Jesus, vergonha por termos perdido a vergonha.

Senhor Jesus, dai-nos sempre a graça da santa vergonha! 

- esperança, porque a vossa mensagem continua a inspirar, ainda hoje, tantas pessoas e povos; que somente o bem pode derrotar o mal e a maldade e que somente o perdão pode abater o rancor e a vingança; somente o abraço fraterno pode dissipar a hostilidade e o medo do outro;
- esperança, porque o vosso sacrifício continua, ainda hoje, a exalar o perfume do amor divino, que acaricia os corações de tantos jovens, que ainda vos consagram as suas vidas, tornando-se exemplos vivos de caridade e gratuidade neste nosso mundo devorado pela lógica da exploração e do ganho fácil;
- esperança, porque tantos missionários e missionárias continuam, ainda hoje, a desafiar a consciência adormecida da humanidade, arriscando suas vidas para servir-vos nos pobres, nos descartados, nos imigrados, nos invisíveis, nos explorados, nos famintos e nos encarcerados;
- esperança, porque a vossa Igreja, santa e constituída por pecadores, continua, ainda hoje, apesar de todas as tentativas de desacreditá-la, a ser luz que ilumina, encoraja, alivia e testemunha o vosso amor incomensurável à humanidade, um modelo de altruísmo, uma arca de salvação e uma fonte de certeza e de verdade;
- esperança, porque da vossa cruz, - fruto da avidez e da covardia de tantos doutores hipócritas da Lei, - desabrochou a Ressurreição, que transformou as trevas da sepultura em fulgor da aurora do Domingo, sem poente, ensinando-nos que o vosso amor é a nossa esperança.

Senhor Jesus, dai-nos sempre a graça da santa esperança!

Ajudai-nos, Filho do Homem, a despojar-nos da arrogância do ladrão, que estava à vossa esquerda, e dos míopes e corruptos, que viram em vós uma oportunidade para explorar, um condenado para criticar, um derrotado para zombar, outra ocasião para inculpar os outros e até Deus, pelas suas culpas.

VATICAN NEWS

Via Sacra - Roma 30-3-18

Via Sacra no Coliseu: carregarei as dores do Iraque, diz religiosa iraquiana

 
 Via Sacra no Coliseu  (Vatican Media)
 
A irmã Genevieve Al Haday, religiosa iraquiana da Congregação das Dominicanas de Santa Catarina, carregará a Cruz ñuma das XIV Estações da Via Sacra no Coliseu, onde depositará "as esperanças de paz do meu país e de todo o Médio Oriente , a recordação dos seus mártires cristãos e também as lágrimas da solidão de uma senhora idosa de Roma".
 
Cidade do Vaticano

Entre os fiéis que carregarão a cruz na Via Sacra no Coliseu, encontra-se a religiosa iraquiana da Congregação das Dominicanas de Santa Catarina, Irmã Genevieve Al Haday.
Junto a outras religiosas, ela conseguiu escapar da fúria da fação Estado Islâmico na noite entre 6 e 7 de agosto de 2014, e que obrigou cerca de 120 mil cristãos a abandonarem à pressa as suas casas na Planície de Nínive em busca de refúgio em Irbil, no Curdistão iraquiano.

Em entrevista à Daniele Rocchi, da Agência Sir dos bispos italianos, a religiosa afirmou que “na Cruz que levarei, estarão depositadas as esperanças de paz do meu país e de todo o Médio Oriente , a recordação dos seus mártires cristãos e também as lágrimas de solidão de uma senhora idosa de Roma...”.

“Não sei ainda em qual Estação levarei a Cruz”, diz a sorridente religiosa, originária da povoado cristão de Qaraqosh, na Planície de Nínive, um dos tantos invadidos pelo Daesh.

Recordação ainda viva

A recordação da noite de 6 de agosto ainda é viva na sua memória.  “Eu estava no povoado de Telluskof. Com outras quatro irmãs conseguimos entrar num autocarro para Duhok, levando connosco pessoas idosas e com necessidades especiais. Eram dez da noite. Uma distância que normalmente era percorrida em 20 minutos, exigiu três horas”, tempo suficiente para me fazer entender de que estava a testemunhar um verdadeiro “êxodo” dos cristãos de Nínive.
 
“Vi pessoas que caminhavam a pé, carregando o pouco que conseguiram retirar das suas casas em direção ao deserto, sem saber o que encontrariam pela frente.

“Deslocadas entre os deslocados”, permanecemos com a nossa população cristã, dia e noite, pensando sobretudo nas crianças. Hoje, graças a Deus, em Qaraqosh, retornaram 10 mil pessoas e reabrimos uma escola, dois asilos e um orfanatrófio. Isto para nós é um sinal de ressurreição e de esperança. A Cruz salva a todos”.

Renascer dos escombros da guerra

Esta esperança, é a mesma esperança de salvação que a religiosa nutre pelo Iraque e pelos países em guerra do Médio Oriente .

“Nesta Cruz a que fui chamada a carregar – acrescenta a Irmã Genevieve – gostaria de depositar as esperanças de minha terra, o Iraque, que quer renascer das ruínas da guerra. A Páscoa faz-nos olhar para o alto e para o futuro com esperança. Queremos fazer renascer a nossa terra, trabalhando com os irmãos muçulmanos com os quais não temos problemas. A presença dos cristãos no Iraque revela a fidelidade que eles têm pela sua terra. O que queremos é viver em paz num país livre e estável ao lado de todos os outros iraquianos. Somos iraquianos e todos filhos de Deus. Se tiver a possibilidade de encontrar o Papa Francisco pedir-lhe-ei para rezar pelo nosso Iraque, para que permaneça fiel a Jesus”.

 “Que o mundo encontre paz e serenidade, que as populações cristãs e não-cristãs, crentes e não crentes, vivam juntos no respeito recíproco, na caridade, na justiça, no direito. Estes são os valores mais importantes que não devem ser desconsiderados. O mundo tem necessidade de caridade, de fraternidade e de partilha. Nós experimentamos a beleza da fraternidade graças à solidariedade que nos chegou de todas as partes do mundo após a invasão do Isis”.

Lágrimas de solidão

E a fraternidade não conhece limites. “Há três dias uma senhora idosa que vive aqui em Roma, próximo da nossa casa, veio bater à nossa porta. Logo ao entrar, desatou no choro. Eram lágrimas de solidão que me fizeram refletir na solidão de Jesus no Horto das Oliveiras. E então pensei que na Sexta-feira Santa, no Coliseu, naquela pequena Cruz, deveriam estar também as lágrimas desta senhora e daqueles tantos que se sentem sozinhos e abandonados”.

 VATICAN NEWS

Via Sacra no Coliseu: ponte entre mártires de ontem e de hoje, diz Dom Galantino

 
 Via Sacra no Coliseu  (Vatican Media)
 
“O sangue dos novos mártires é a condenação de nossa superficialidade e da superficialidade com que vivemos a fé, reduzida muitas vezes à aparência, a cerimónias que não comprometem e a palavras - mesmo sendo piedosas – mas irrelevantes. Cerimónias e palavras nas quais temos dificuldade em apostar alguma coisa de nós mesmos”.
 
Cidade do Vaticano

“Muitas vezes, admirando o Coliseu, recordei a morte de homens e mulheres arrastados ali dentro para o divertimento de alguns e a ferocidade de outros. Mesmo assim, a noite de 24 de fevereiro foi diferente”.

Foi o que afirmou o secretário geral da Conferência Episcopal Italiana, Dom Nunzio Galantino, ao recordar a iniciativa da fundação pontifícia Ajuda à Igreja de Cristo (AIS) que iluminou de vermelho o Coliseu, para  chamar a atenção para as perseguições contra os cristãos no mundo.

Na noite desta Sexta-feira Santa, durante a Via Sacra, o Coliseu voltará a falar ao mundo do martírio dos cristãos e a recriar “uma ligação – virtuosa e de testemunho – entre os primeiros cristãos, mortos naquele lugar, e aqueles que ainda hoje são mortos em diversas partes do mundo, por terem acolhido seriamente nas suas vidas, Jesus e o seu Evangelho”.
Uma ocasião para recordar os tantos cristãos que hoje, mais do que nos primeiros tempos da Igreja, pagam com o martírio a fidelidade a Cristo.

Irmãos na fé dos quais – afirma o prelado italiano – nós que vivemos “num mundo necessitado de testemunhos coerentes e apaixonados, sobretudo apaixonados por Cristo e pelo Evangelho” - possamos tirar um ensinamento fundamental.

“O sangue dos novos mártires é a condenação de nossa superficialidade e da superficialidade com que vivemos a fé, reduzida muitas vezes à aparência, a cerimónias que não comprometem e a palavras - mesmo sendo piedosas – mas irrelevantes. Cerimónias e palavras nas quais temos dificuldade em apostar alguma coisa de nós mesmos”.

Mas o exemplo deles impõe, ao mesmo tempo, atos concretos de nossa parte. Impõe a tantas instituições romper o seu “triste, ensurdecedor e insuportável silêncio”, sobre a violência consumada em detrimento dos cristãos, e a tantas agências culturais e humanitárias, de colocar fim às suas “reprováveis comoções e  intermitências”, que se acende somente por ocasião de eventos tragicamente eclatantes.

Esta noite, durante a Via sacra, olhando para o Anfiteatro Flavio, todos nós devemos escutar o grito dos milhões de cristãos perseguidos.

VATICAN NEWS

Homilia na Celebração da Paixão do Senhor

 Foto: Arlindo Homem / Patriarcado de Lisboa

Ser da verdade, para ser de verdade 

«Disse-Lhe Pilatos: “Então, Tu és rei?” Jesus respondeu-lhe: “É como dizes: sou rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz”.»


Um diálogo tão rápido, como este entre Pilatos e Jesus, caríssimos irmãos, é o segredo da nossa presença aqui, quase dois milénios depois. Da nossa presença aqui, quando podemos celebrar em boa paz e bom espaço a Paixão do Senhor.
Mas também – e com maior realismo ainda – a mesma celebração noutros espaços por esse mundo além, entre guerras e destruições, imensas tristezas e grandes abandonos. Tenhamos isto bem presente, e aos irmãos que aí mesmo ouvem hoje a Paixão do Senhor e nela reveem as suas próprias vidas. Assim também os nossos irmãos dos Lugares santificados pela presença terrena de Cristo, a cuja manutenção se destina a coleta deste dia. Todos estamos e queremos estar na verdade de Cristo, escutando a sua voz.
Expressão original e muito sua, que importa reter. É típica do Quarto Evangelho, como no trecho que ouvimos. Jesus veio ao mundo «a fim de dar testemunho da verdade». Modo de dizer que a verdade reside nele mesmo, como se manifesta e afirma.
A verdade do império que Pilatos figurava impunha-se pela força das armas. A verdade que Jesus testificava era a da sua própria pessoa e da adesão ao que dizia e fazia. Precisamente a que nos reúne agora aqui,  sem qualquer coação e em plena consciência. Em plena consciência, ou seja, no que mais intimamente sentimos e sabemos, e por isso mesmo somos: «Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz.» Para o evangelista João, a verdade subsiste em Jesus Cristo, no que diz e testemunha, tudo sendo expressão de Deus.

Patriarcado de Lisboa - Paixão do Senhor

Aprofundemos um pouco mais estas palavras, pois traduzem a substância da nossa fé. Aprofundemo-las com a mente, mas sobretudo com o coração. Sintamo-las, para percebermos que Reino é o seu, como nos mantém vitoriosamente consigo, como estamos agora e como estaremos sempre, aconteça o que acontecer…
Noutro passo do mesmo Evangelho, Jesus compara-se a um pastor cuja voz reconhecemos e assim nos chama e reúne em seu redor: «As minhas ovelhas escutam a minha voz: Eu conheço-as e elas seguem-me. Dou-lhes a vida eterna, e nem elas hão de perecer jamais, nem ninguém as arrancará da minha mão. O que o meu Pai me deu vale mais que tudo e ninguém o pode arrancar da mão do Pai. Eu e o Pai somos Um» (Jo 10, 27-30).
Trecho de suma importância para percebermos o que se passa connosco e há de passar com muitos mais, em termos de realeza de Cristo. Porque escutamos a sua voz. Escutamo-la, de facto, pois nos ressoa diferente de todas as outras, mais decisiva e profunda. Na receção da Constituição Sinodal de Lisboa, como estamos a fazer neste ano, insistimos na Palavra de Deus como “lugar onde nasce a fé” (CSL, 38) – maneira de dizer com São Paulo que «a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo» (Rm 10, 17).
Ouvida em casa, quando tivemos a graça de nascer numa família realmente cristã; ouvida na catequese e nas celebrações comunitárias; ouvida de algum amigo que verdadeiramente o foi; lida nas Escrituras que as primeiras gerações cristãs nos deixaram… A palavra de Cristo, e o próprio Cristo como Palavra de Deus, inteiramente dita e feita, tomou-nos conta do coração, esclareceu-nos a inteligência e determinou-nos a vontade. Somos seus, inteiramente seus, definitivamente seus. E ninguém nos arranca de ao pé da sua Cruz, onde divisamos todas as cruzes deste mundo, mas também o fulgor da sua vitória sobre a morte e todo o tipo de morte.
Radica também aqui a liberdade cristã. Venha o que vier, estamos seguros em Cristo, qual “mão” que o Pai nos estende. Escutamo-lo atentamente, como seus discípulos. Aprendemos sobretudo que a liberdade ganha-se com Deus, que é tudo, e não sozinhos, que seríamos nada.
A Palavra que Deus nos dirige em Cristo é tão perfeita comunhão que até da morte faz vida. Como a sua Cruz, que tanto nos eleva para o Pai como nos alarga a todos. Sendo isto mesmo a liberdade perfeita, sem cativeiros de alma que nos detenham a entrega. Noutro passo do Quarto Evangelho, diz-nos assim: «Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8, 31-32).  
O mundo em que vivemos está tão cheio de palavras e contrapalavras, tão denso de figuras e contrafiguras, que dificilmente nos agarra já, para além dalgum alvoroço imediato. No entanto, nós estamos hoje aqui, como muitos por esse mundo além, celebrando a Paixão de Cristo, transmitida por palavras antigas que não perderam vigor e figurada numa simples Cruz, como a adoraremos de seguida. Como Ele próprio anunciara: «Quando tiverdes erguido ao alto o Filho do Homem, então ficareis a saber que Eu sou» (Jo 8, 28). E ainda: «Eu, quando for erguido da terra, atrairei todos a mim» (Jo 12, 32).
- Que verdade tão grande, esta que aqui nos certifica, de corpo e alma rendidos ao mistério da Cruz do Senhor. Nela nos sentimos salvos, porque nenhuma esperança e nenhum sofrimento ficaram de fora da Paixão de Cristo. Tudo inteiramente connosco, tudo inteiramente com Deus, tudo inteiramente salvo. Nele já e em nós em esperança, que é verdade garantida..

A concentração desta tarde na Cruz do Senhor não é obra nossa, mas unicamente de Deus Pai que, pelo Espírito, nos fixa em Jesus. Como também disse: «Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai» (Jo 6, 65). Reconheçamos agora e agradeçamos sempre o impulso divino que nos traz aqui, junto de Cristo e da sua Cruz, trono do Reino e centro do mundo.
Para que também na Cruz de Cristo divisemos a cruz do mundo, em tudo quanto nos faz sofrer – a nós e aos outros. Aí mesmo onde Cristo nos espera, para ser reconhecido e servido. Realmente, se dentro em pouco O vamos adorar aqui, é para depois continuarmos a adorá-lo e a servi-lo em quem sofra neste mundo de todos os dias, locais e circunstâncias.  
Por isso nos diz ainda São João, na sua primeira epístola: «Não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade. Por isso conheceremos que somos da verdade e, na sua presença, sentir-se-á tranquilo o nosso coração» (1 Jo 3, 18-19).
A verdade é mais do que a simples adequação da mente ao objeto. É objetivar na vida e na convivência atenta e solidária a religião da Cruz que nos salvou. Para sermos da verdade e para de verdade o sermos sempre.

Sé de Lisboa, 30 de março de 2018

+ Manuel, Cardeal-Patriarca


Patriarcado de Lisboa 

Pregação da Sexta-feira Santa do padre Raniero Cantalamessa OFM

 .
 Padre Raniero Cantalamessa OFM
.
"Se no centro do pensamento de Paulo está a obra de Jesus, o seu mistério pascal de morte e ressurreição, no centro do pensamento de João está o ser, a pessoa de Jesus. Daí todos aqueles "Eu sou" das ressonâncias eternas que abundam no seu Evangelho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, “Eu sou a luz”, “Eu sou a porta”, “Eu sou”, e basta", diz o religioso capuchinho. 

Cidade do Vaticano 

O Papa Francisco presidiu na tarde da Sexta-feira Santa na Basílica de São Pedro a Celebração da Paixão do Senhor. O pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa, propôs aos presentes a reflexão intitulada: "Quem viu dá testemunho".

Leia a pregação na íntegra:

"Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água. O que foi testemunha desse facto o atesta (e o seu testemunho é digno de fé, e ele sabe que diz a verdade), a fim de que vós creiais." (Jo 19, 33-35).

Ninguém jamais será capaz de nos convencer de que esta atestação solene não corresponda à verdade histórica, que quem afirma ter estado presente e visto, na realidade, não estava presente nem viu. Neste caso, vai depender da honestidade do autor. No Calvário, aos pés da cruz, estava a mãe de Jesus e, ao lado dela, "o discípulo a quem Jesus amava". Nós temos uma testemunha ocular!

Ele "viu" não apenas o que acontecia sob o olhar de todos. À luz do Espírito Santo, depois da Páscoa, ele também viu o sentido do que acontecera: que naquele momento estava sa ser imolado o verdadeiro Cordeiro de Deus e era realizado o sentido da Páscoa antiga; que Cristo na cruz era o novo templo de Deus, de cujo lado, como o profeta Ezequiel predisse (47, 1 ss.), jorra a água da vida; que o espírito que ele emite no momento da morte dá início à nova criação, como “o espírito de Deus”, pairando sobre as águas, tinha transformado no princípio o caos no cosmos. João entendeu o significado das últimas palavras de Jesus: "Tudo está consumado" (Jo 19, 30).

Mas por que, nos perguntamos, essa ilimitada concentração de significado sobre a cruz de Cristo? Por que essa omnipresença do Crucifixo nas nossas igrejas, nos altares e em todos os lugares frequentados pelos cristãos? Alguém sugeriu uma chave para a leitura do mistério cristão, dizendo que Deus se revela "sub contraria specie”, sob o contrário daquilo que ele na verdade é: revela o seu poder na fraqueza, na sua sabedoria na loucura, sua riqueza na pobreza ...

Esta chave de leitura não se aplica à cruz. Na cruz Deus se revela como "sub propria specie”, pelo que ele é, na sua realidade mais íntima e mais verdadeira. "Deus é ágape", escreve João (1 Jo 4,10), amor oblativo, e somente na cruz se torna manifesto quão longe vai esta infinita capacidade de autodoação de Deus. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1); “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu (à morte) seu filho único” (Jo 3, 16); "Amou-me e entregou-se (à morte) por mim” (Gl 2, 20).

***

No ano em que a Igreja celebra um sínodo sobre os jovens e quer colocá-los no centro da sua preocupação pastoral, a presença no Calvário do discípulo a quem Jesus amava contém uma mensagem especial. Temos todos os motivos para acreditar que João aderiu a Jesus quando ainda era muito jovem. Foi uma verdadeira paixão. Todo o resto deixou, rapidamente, de ter importância. Foi um encontro “pessoal”, existencial. Se no centro do pensamento de Paulo está a obra de Jesus, o seu mistério pascal de morte e ressurreição, no centro do pensamento de João está o ser, a pessoa de Jesus. Daí todos aqueles "Eu sou" das ressonâncias eternas que abundam no seu Evangelho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, “Eu sou a luz”, “Eu sou a porta”, “Eu sou”, e basta.

João era quase certamente um dos dois discípulos do Batista que, ao aparecer na cena de Jesus, foi atrás dele. À pergunta deles: "Rabino, onde mora?", Jesus respondeu: "Venham e vejam". "Então eles foram e naquele dia ficaram com ele; era cerca de quatro horas da tarde" (Jo 1, 35-39). Naquela hora, ele decidira a sua vida e nunca o esquecera.

Neste ano, esforçar-nos-emos justamente por descobrir com eles o que Cristo espera dos jovens, o que eles podem dar à Igreja e à sociedade. O mais importante, porém, é fazer os jovens saberem o que Jesus tem para lhes dar. João descobriu ficando com ele: “vida em abundância”, “alegria plena”. Quem mais do que Jesus tem respostas para dar aos jovens de hoje e de todos os tempos?

Façamos de tal forma que em todos os discursos sobre jovens e aos jovens ressoem do fundo o sincero convite do Santo Padre na Evangelii gaudium: “Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito” (EG, n º 3). Encontrar-se pessoalmente com Cristo é possível também hoje porque ele ressuscitou; é uma pessoa viva, não um personagem. Tudo é possível depois deste encontro pessoal; nada mudará realmente na vida sem isto.

* * *

Além do exemplo da sua vida, o evangelista João também deixou uma mensagem escrita aos jovens. Na sua primeira carta, lemos as comoventes palavras de um homem idoso dirigidas aos jovens das igrejas que ele fundou:

"Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o Maligno. Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai." (1 Jo 2: 14-15)

O mundo que não devemos amar e ao qual não nos devemos conformar não é, nós sabemos, o mundo criado e amado por Deus, não são os homens do mundo aos quais, na verdade, devemos sempre ir ao encontro, especialmente dos pobres, dos últimos. O “misturar-se” com este mundo do sofrimento e da marginalização é, paradoxalmente, a melhor maneira de "separar-se" do mundo, porque é caminhar exatamente para onde o mundo foge com todas as suas forças. É separar-se do próprio princípio que governa o mundo, que é o egoísmo.

Não, o mundo que não devemos amar é outro; é o mundo transformado sob o domínio de satanás e do pecado, “o espírito que está no ar”, o chama São Paulo (Ef 2, 1-2). A opinião pública tem um papel chave nisto, hoje também literalmente espírito “que está no ar” porque se espalha através do éter, através das infinitas possibilidades da técnica. "Se determina um espírito de grande intensidade histórica, ao qual o indivíduo dificilmente pode escapar. Deve-se seguir o espírito geral, é o óbvio. Agir, pensar ou dizer algo contra isso é considerado insensato ou até mesmo uma injustiça ou um crime. Então já não se atreve a por-se diante das coisas e das situações e especialmente da vida de forma diferente de como tudo se apresenta[1]".

É o que chamamos de adaptação ao espírito dos tempos, conformismo. Um grande poeta crente do século passado, T.S. Eliot, escreveu três versos que dizem mais do que livros inteiros: "Num mundo de fugitivos, a pessoa que toma a direção oposta parecerá um desertor[2]."  Queridos jovens cristãos, se é permitido a um ancião como João dirigir-se diretamente a vós, eu vos exorto: sejam daqueles que tomam a direção oposta! Atrevam-se a nadar contra a corrente! A direção oposta, para nós, não é um lugar, é uma pessoa, é Jesus nosso amigo e redentor.

Uma tarefa, especialmente, lhes é confiada: salvar o amor humano da deriva trágica na qual acabou: o amor que não é mais dom de si, mas somente possessão – muitas vezes violenta e tiranica – do outro. Na cruz, Deus revelou-se como ágape, o amor que se doa. Mas o ágape nunca se separou do eros, do amor de busca, do desejo e da alegria de ser amado novamente. Deus não nos faz somente a “caridade” de amar-nos; deseja-nos, em toda a Bíblia se revela como o esposo apaixonado e ciumento. Também o seu é um amor “erótico”, no sentido nobre deste termo. É o que explicou Bento XVI na encíclica “Deus caritas est”.

"Eros e ágape, - amor ascendente e amor descendente - nunca se deixam separar completamente um do outro [...]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo oposto ao fenómeno humano original que é o amor, mas aceita todo o homem intervindo na sua busca de amor para purificá-la, abrindo-lhes novas dimensões ao mesmo tempo "(7 -8).

Não se trata, portanto, de renunciar às alegrias do amor, da atração e do eros, mas de saber unir o ágape com o eros, o desejo do outro, a capacidade de se doar ao outro, recordando o que São Paulo comenta como uma fala de Jesus: "Há mais alegria em dar do que em receber" (At 20, 35).

É uma capacidade que não se inventa num dia. É necessário preparar-se para fazer um dom total de si mesmo a outra criatura no matrimónio, ou a Deus na vida consagrada, começando com o doar o próprio tempo, o próprio sorriso e a própria juventude em família, na paróquia, no voluntariado. O que muitos de vós fazem silenciosamente.

Jesus na cruz não nos deu apenas o exemplo de um amor de doação levado ao extremo; ele nos mereceu a graça de podê-lo atuar, em pequena parte, na nossa vida. A água e o sangue jorrados do seu lado chegam a nós hoje nos sacramentos da Igreja, na Palavra, até só olhando com fé o Crucifixo. Uma última coisa João viu profeticamente sob a cruz: homens e mulheres de todos os tempos e de todos os lugares que olhavam para "aquele que foi transpassado" e choravam de arrependimento e consolo (ver Jo 19, 37; Zc 12,10). A eles nos unimos também, nos gestos litúrgicos que daqui a pouco se seguirão".
_________________________

[1] H. Schlier, Demoni e spiriti maligni nel Nuovo Testamento, in Riflessioni sul Nuovo Testamento  Paideia, Brescia 1976, pp. 194 s.
[2] T. S. Eliot, Family Reunion, part II, sc. 2: “In a world of fugitives - The person taking the opposite direction - Will appear to run away”.

(Tradução Thácio Siqueira)

 
com Jesus, ir contra a corrente

VATICAN NEWS

Paixão do Senhor: com Jesus, ir contra a corrente

.
Papa presidiu à celebração da Paixão de Cristo  (ANSA)
.
Na pregação da Sexta-feira Santa, Frei Cantalamessa exorta os jovens à ousadia. "A direção oposta não é um lugar, mas uma pessoa: Jesus." 

Cidade do Vaticano 
O Papa Francisco presidiu na tarde da Sexta-feira Santa, na Basílica Vaticana, à celebração da Paixão de Cristo, com a adoração da Cruz e a pregação do Frei Raniero Cantalamessa sobre o tema: “Quem vê, dá testemunho.
"Ao verem que Jesus já estava morto, os soldados não lhe quebraram as pernas, mas um deles abriu-lhe o peito com uma lança do qual saiu, imediatamente, sangue e água. Quem viu este facto deu testemunho, - que é digno de fé, pois ele sabe que diz a verdade - a fim de que vós creiais".

Partindo desta citação do evangelista João, Frei Cantalamessa afirmou que “ninguém jamais será capaz de nos convencer de que este testemunho solene não corresponde à verdade histórica”. O autor, São João, - o discípulo a quem Jesus amava, - estava no Calvário, aos pés da cruz, junto com a Mãe Maria. Eles foram testemunhas oculares do facto!

Ele "viu" e “descreveu, não apenas o que acontecia sob o olhar de todos, mas, sob a luz do Espírito Santo e dos eventos pascais, dando sentido ao que havia visto. Naquele momento, estava a ser imolado o verdadeiro Cordeiro de Deus e cumprido o sentido da Páscoa antiga: Cristo na cruz era o novo Templo de Deus, de cujo peito jorra a água da vida. Ele é o início da nova criação! Assim, João entendeu o profundo significado das últimas palavras de Jesus: "Tudo está consumado". 

Crucifixos 

Sobre os inúmeros significados, que brotam da cruz de Cristo, o pregador perguntou: Porquê a grande presença do Crucifixo nas nossas igrejas, nos altares e em todos os lugares frequentados pelos cristãos? E respondeu com uma chave de leitura deste mistério cristão: “Deus revela o seu poder na fraqueza, sua sabedoria na loucura, sua riqueza na pobreza”.
Esta chave de leitura não se aplica à Cruz, na qual Deus se revela na sua realidade mais íntima e verdadeira, pois Deus é “ágape”, amor oblativo; somente na cruz se entende a magnanimidade da autodoação de Deus.

Juventude

Neste sentido, o Frei Capuchinho recordou o próximo Sínodo dos Bispos sobre os Jovens. A Igreja quer colocá-los ao centro da sua preocupação pastoral. A presença no Calvário do discípulo que Jesus amava representa uma mensagem especial. João seguiu Jesus quando era muito jovem. Este encontro pessoal e existencial foi a sua verdadeira paixão! O mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus, a sua Pessoa, representam o núcleo do pensamento do evangelista.

João era, quase certamente, um dos dois discípulos de Batista que, apareceu no início da vida pública de Jesus; o outro era André, irmão de Pedro, e perguntaram-lhe: "Mestre, onde moras?". E Jesus respondeu: "Venham e vejam! Então, desde aquela tarde, foram e ficaram com ele”. 

O que Cristo espera dos jovens 

Neste Sínodo sobre a Juventude, disse Frei Cantalamessa, deveremos descobrir “o que Cristo espera dos jovens” e “o que eles podem dar à Igreja e à sociedade”. Mas, o mais importante, é levar os jovens a saber o que Jesus tem para lhes dar. João descobriu, ao ficar com Ele: Jesus é “vida em abundância”! Jesus é “alegria plena”

Logo, encontrar-se pessoalmente com Cristo é possível também hoje, porque ele ressuscitou; ele é uma pessoa viva, não um personagem

O evangelista João também deixou a sua mensagem aos jovens, na sua primeira Carta: "Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes e a Palavra de Deus permanece em vós... não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele".

Devemos estar no mundo, - disse o Pregador da Casa Pontifícia -principalmente entre os pobres, os últimos, no mundo do sofrimento, da marginalização o do egoísmo, sem, porém, a ele pertencer. 

Ir contra a corrente 

Na conclusão da sua pregação, nesta Sexta-feira da Paixão, o capuchinho deixou um convite aos jovens cristãos: “Sejam como aqueles que vão na direção oposta! Atrevam-se a ir contra a corrente! A direção oposta não é um lugar, mas uma pessoa: é Jesus, nosso amigo e redentor!”. Mas, foi-lhes confiada também uma tarefa especial: “Salvar o amor humano”.

Na cruz, Deus se revelou como Ágape, o Amor que se doa. Por isso, não devemos renunciar às alegrias do amor, mas ter a capacidade de se doar ao próximo: "Há mais alegria em dar do que em receber", diz São Paulo.

Porém, é preciso preparar-se para a doação total de si, seja através do matrimónio seja da vida consagrada, começando com a doação do próprio tempo, do sorriso, da própria juventude em família, na paróquia, no voluntariado.

Jesus na cruz não nos deu apenas o exemplo de extrema doação por amor: a água e o sangue, jorrados do seu peito, chegam até nós pelos sacramentos da Igreja e pela Palavra. 
Contemplemos, com fé, o Crucifixo.

(Tradução Thácio Siqueira)



VATICAN NEWS