21 janeiro, 2018

São Toríbio inspira reflexão do Papa aos bispos: trabalhem pela unidade

Encontro com o episcopado peruano no Arcebispado de Lima

São Toríbio quis chegar à outra margem em busca dos afastados, à outra margem da caridade, à outra margem da unidade, à outra margem na formação de seus sacerdotes, à outra margem não só geográfica, mas cultural.
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Cidade do Vaticano

“São Toríbio, o homem que soube chegar à outra margem”. O Papa Francisco inspirou sua reflexão aos bispos peruanos reunidos da sede do Arcebispado em Lima,  ao Patrono do Episcopado Latino-americano, São Toríbio de Mogrovejo, “exemplo de construtor de unidade eclesial”, “deixou terreno seguro para penetrar num universo totalmente novo, desconhecido e cheio de desafios”

Francisco recordou o quadro conservado no Vaticano onde aparece São Toríbio atravessando um rio caudaloso, cujas águas se abrem à sua passagem, “como se fosse o Mar Vermelho, para que ele possa chegar à outra margem onde o aguarda um numeroso grupo de indígenas”. Atrás dele, “uma grande multidão de pessoas que segue o seu pastor da obra da evangelização”: 

"1.     Quis chegar à outra margem em busca dos afastados e dispersos. Para isso, teve que deixar as comodidades do paço episcopal para percorrer o território, que lhe estava confiado, em contínuas visitas pastorais, procurando chegar e estar onde necessitavam dele e quanto necessitavam dele! lá ia ao encontro de todos por caminhos que, nas palavras do secretário, eram mais para cabras do que para pessoas. Tinha que enfrentar os mais variados climas e ambientes; «de vinte e dois anos de episcopado, dezoito passou-os fora da sua cidade, percorrendo por três vezes o seu território».

Sabia que esta era a única forma de pastorear: estar perto oferecendo os dons de Deus; uma exortação que ele fazia continuamente também aos seus presbíteros. E não se limitava a fazê-lo com palavras, mas com o seu testemunho, apresentando-se ele mesmo na primeira linha da evangelização. Hoje chamá-lo-íamos um bispo «de estrada». Um bispo com as solas consumadas pelo muito andar, por se mover, por sair ao encontro dos outros para «anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo.

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A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém». Bem o sabia São Toríbio! Sem medo nem repugnância, penetrou no nosso continente para anunciar a Boa Nova.

2.     Quis chegar à outra margem não só geográfica mas cultural. Por isso promoveu, de muitos modos, uma evangelização na língua nativa. Com o III Concílio Limense, procurou que os catecismos fossem feitos e traduzidos em quechua e aymara. Incitou o clero a estudar e conhecer a língua dos seus fiéis, para poderem administrar-lhes os Sacramentos de forma compreensível. Visitando e vivendo com o seu povo, deu-se conta de que não bastava alcançá-lo apenas fisicamente, mas era necessário aprender a falar a língua dos outros: só assim é que o Evangelho poderia ser compreendido e penetrar nos corações.

Como é urgente esta visão para nós, pastores do século XXI, que – só para dar um exemplo – temos de aprender uma linguagem completamente nova, como é a digital! Conhecer a linguagem atual dos nossos jovens, das nossas famílias, das crianças... Como justamente viu São Toríbio, não é suficiente chegar a um lugar e ocupar um território, é necessário poder suscitar processos na vida das pessoas, para que a fé ganhe raízes e seja significativa. E, para isso, devemos falar a língua delas.

É preciso chegar onde se geram os novos temas e paradigmas, alcançar com a Palavra de Jesus os núcleos mais profundos da alma das nossas cidades e dos nossos povos. A evangelização da cultura requer que entremos no coração da própria cultura, para que esta seja iluminada a partir de dentro pelo Evangelho.

3.     Quis chegar à outra margem da caridade. Segundo o nosso Patrono, a evangelização não poderia acontecer sem a caridade. Porque sabia que a forma mais sublime da evangelização era plasmar na própria vida a doação de Jesus Cristo por amor a cada homem. Nisto se distinguem os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama o seu irmão (cf. 1 Jo 3, 10).

Nas suas visitas, pôde constatar os abusos e excessos que sofriam as populações nativas, não hesitando, em 1585, a excomungar o governador de Cajatambo, enfrentando todo um sistema de corrupção e uma rede de interesses, o que «lhe acarretou a inimizade de muitos», incluindo do Vice-rei. Deste modo se nos apresenta como o pastor ciente de que o bem espiritual nunca se pode separar do justo bem material e, menos ainda, quando se põem em risco a integridade e a dignidade das pessoas.

Profecia episcopal que não tem medo de denunciar os abusos e excessos cometidos contra o seu povo. E assim consegue lembrar no seio da sociedade e das comunidades que a caridade deve ser sempre acompanhada pela justiça, e não há autêntica evangelização que não anuncie e denuncie toda a falta contra a vida dos nossos irmãos, especialmente dos mais vulneráveis.

4.     Quis chegar à outra margem na formação dos seus sacerdotes. Fundou o primeiro Seminário depois do Concílio [de Trento] nesta área do mundo, promovendo assim a formação do clero nativo. Compreendeu que não bastava chegar a todos os lugares e falar a mesma língua; era necessário que a Igreja pudesse gerar os seus próprios pastores locais, tornando-se assim mãe fecunda.

Por isso, quando ainda se discutia muito sobre a mesma, defendeu a Ordenação de padres mestiços, procurando favorecer e estimular a santidade dos seus pastores, pois se o clero se devesse diferenciar em algo, que fosse pela santidade de vida e não pela origem étnica. E esta formação não se limitava apenas aos estudos no Seminário, mas prosseguia nas visitas contínuas que lhes fazia. Assim podia, em primeira mão, dar-se conta do «estado dos seus padres», cuidando deles.

Conta-se que, nas vésperas do Natal, a sua irmã ofereceu-lhe uma camisa para a estrear nas festas. Nesse mesmo dia, ele foi visitar um pároco e, ao ver as condições em que vivia, pegou naquela camisa e deu-lha. É o pastor que conhece os seus sacerdotes. Procura ir ter com eles, acompanhá-los, encorajá-los, admoestá-los: lembrava aos seus padres que eram pastores e não comerciantes e, por conseguinte, deveriam cuidar e defender os indígenas como se fossem filhos.[7] Mas não o fazia «sentado à escrivania», e assim pôde conhecer as suas ovelhas e estas reconhecerem, na voz dele, a voz do Bom Pastor.

5.     Quis chegar à outra margem: a da unidade. Promoveu de maneira admirável e profética a formação e integração de espaços de comunhão e participação entre as várias componentes do povo de Deus. Assim o realçou São João Paulo II quando nestas terras, dirigindo-se aos bispos, disse-lhes: «O III Concílio Limense é o resultado desse esforço presidido, encorajado e dirigido por São Toríbio, e que frutificou num precioso tesouro de unidade na fé, de normas pastorais e de organização, ao mesmo tempo que em válidas inspirações para a desejada integração latino-americana».

Bem sabemos que esta unidade e este consenso foram precedidos de grandes tensões e conflitos. Não podemos negar as tensões, as diferenças; é impossível uma vida sem conflitos. Estes exigem de nós – se somos homens e cristãos – que os enfrentemos e aceitemos. Mas, aceitá-los em unidade, em diálogo honesto e sincero, olhos nos olhos e evitando cair numa destas tentações: ignorar o que aconteceu ou então ficar prisioneiros e sem horizontes que permitam encontrar caminhos que sejam de unidade e de vida.

Serve de inspiração, no nosso caminho de Conferência Episcopal, recordar que a unidade sempre prevalecerá sobre o conflito. Queridos irmãos, trabalhai pela unidade, não fiqueis prisioneiros de divisões que reduzem e limitam a vocação a que fomos chamados: ser sacramento de comunhão. Não vos esqueçais do que atraía na Igreja primitiva: era ver como eles se amavam. Essa foi, é e será a melhor evangelização.

Para São Toríbio chegou o momento de partir para a margem definitiva, para aquela terra que o esperava e que ele ia saboreando no seu contínuo deixar a margem. Esta nova partida, não a fez sozinho. Como no quadro de que vos falei ao início, ia ao encontro dos Santos, seguido por uma grande multidão atrás dele. É o pastor que soube encher «a sua mala» de rostos e nomes.

Estes eram o passaporte dele para o céu. Por isso não quero omitir a nota final, o momento em que o pastor entregava a sua alma a Deus. Fê-lo unido ao seu povo, enquanto um aborígene tocava para ele a flauta para que a alma do seu pastor se sentisse em paz. Quem dera, irmãos, que pudéssemos viver estas coisas, quando tivermos que realizar a última viagem. Peçamos ao Senhor que no-lo conceda.

E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim."

Depois de seu discurso lido, o Papa começou a falar de forma espontânea ao episcopado.

VATICAN NEWS

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