12 janeiro, 2015

Paz, um dom de Deus e uma responsabilidade individual e social - Papa aos Diplomáticos



RV) O Papa denunciou os males que perturbam o mundo, mas exprimiu também o seu apreço por diversas situações que deixam esperar  num mundo de paz e agradeceu a Deus por isso, convidando a evitar “que o nosso olhar seja dominado pelo pessimismo”.

Logo depois de ter saudado e agradecido os Embaixadores pelo seu empenho no sentido de “favorecer e incrementar, com espírito de mútua colaboração” , as relações com a Santa Sé, o Papa fez ressoar fortemente a palavra paz  que é um dom de Deus, mas também um convite à responsabilidade individual e social.

O Papa evocou o presépio, símbolo dessa paz, mas também da rejeição, do drama do desprezo até à morte na cruz de que Jesus foi objecto.

“E, se assim foi tratado o Filho de Deus, ainda pior o são muitos dos nossos irmãos e irmãs”

Há uma índole da rejeição – frisou o Papa - que nos leva a deixar de fora o outro, transformando-o num súbdito a dominar. É uma mentalidade que gera aquela cultura de descarte, cultura  da qual nasce “uma humanidade ferida, continuamente dilacerada por tensões e conflitos de toda a espécie”

Exemplo disso foi o rei Herodes que, vendo em Jesus uma ameaça ao seu poder, mandou matar todos os meninos de Belém, algo que traz ao pensamento – disse o Papa – as mais de cem crianças trucidadas no Paquistão.

A dimensão social da cultura do descarte – continuou – desabrocha na desagregação da sociedade, acabando por gerar violência e morte, como o “trágico massacre que há dias sucedeu em Paris". Os outros “deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos”, como escravos de modas, poder, formas equivocadas de religião. Escravaturas que nascem “dum coração corrupto, incapaz de ver e fazer o bem, de buscar a paz”.

“É uma guerra mundial combatida por pedaços” voltou a dizer Francisco, recordando que “tais conflitos embora de forma diferente tocam várias partes do mundo”, para as quais o Papa invocou sempre o diálogo como forma de se chegar à paz. E começou por citar casos como a Ucrânia, o Médio Oriente, onde há outros conflitos com consequências assustadoras, como o “alastramento do terrorismo de matriz fundamen-talista entre a Síria e o Iraque. Este fenómeno é consequência da cultura do descarte aplicada a Deus”  que é reduzido “a um mero pretexto ideológico”  - disse o Papa, para quem tudo isto requer “uma resposta unânime”  a fim de travar o alastrar das violências e restabelecer a concórdia. E por isso lançou um apelo a toda a comunidade internacional e aos diferentes governos para que “Assumam iniciativas concretas em prol da paz” para essa região que, sem cristãos seria um Médio Oriente desfigurado – disse referindo-se à sua carta aos cristãos no Natal.

O Papa falou depois da Nigéria “onde não cessam as violências que atingem indiscriminadamente a população”, “um flagelo que é preciso erradicar, pois nos atinge a todos nós”.

Francisco referiu-se também com apreensão aos “conflitos de carácter civil que afectam outras partes da África” como a Líbia, a República Centro-Africana, onde há resistência aos esforços de paz; à situação no Sudão do Sul e nalgumas regiões do Sudão, do Corno de África e da República Democrática do Congo, onde não cessa de crescer o número de vítimas entre a população civil – disse - almejando “um compromisso conjunto dos vários governos e da comunidade internacional, para que se ponha termo a toda a espécie de luta, ódio e violência e se comprometa a favor da reconciliação, da paz e da defesa da dignidade transcendente da pessoa”.

Mas Francisco não esquece também o estupro que fere no corpo e na alma a dignidade de mulheres daquele país africano.

O rosto mais emblemático da cultura do descarte – o desprezo do ser humano por parte de quem detém o poder – verifica-se em todos os conflitos bélicos, mas o Papa chamou também a atenção para “formas subtis e astutas de rejeição”. E recordou os doentes isolados e marginalizados, entre os quais os afectados pela epidemia de Ébola. A este respeito apelou mais uma vez a comunidade internacional a assegurar uma assistência humanitária adequada aos pacientes e para que haja um esforço comum para debelar a doença.

Outras vidas descartadas são também os numerosos deslocados e refugiados,entre as quais crianças sós – disse o Papa - recordando que também a Sagrada Família foi forçada a fugir da sua terra Natal, tal como acontece hoje com milhares de pessoas à procura simplesmente de salvar a própria vida. Mas para além do drama das viagens a que são sujeitas, vêem-se também obrigados “a enfrentar o drama da rejeição”.  Perante isto “é necessária uma mudança de atitude” – disse,  exortando “Tanto os Estados como as organizações internacionais a agirem diligentemente para resolver  estas graves situações humanitárias e fornecer aos países de origem dos migrantes ajudas que favoreçam o progresso sócio-político e a superação dos conflitos internos, que são a causa principal de tal fenómeno. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos".

Depois há os exilados ocultos, ou seja os idosos, os deficientes, considerados um fardo para as próprias famílias, os jovens sem trabalho, a própria família que não goza de apoios adequados, para o bem da sociedade quando se apoiam outras formas de convivência… “tudo isto é contrário à dignidade humana e deriva duma mentalidade que põe no centro o dinheiro, os benefícios e os lucros económicos em detrimento do próprio homem” – disse o Papa.

Ainda no que perturba a paz no mundo o Papa recordou que uma globalização niveladora gera um mundo uniforme e desprovido de identidade é fácil detectar o desânimo nas pessoas, desânimo que é agravado também pela crise económica. E o Papa fala da necessidade de animar os jovens, reflectindo sobre o modo como lhes são transmitidos os valores e qual tipo de sociedade nos preparamos para lhes entregar – disse recordando o seu encontro com os jovens na Coreia do Sul e, evocando a sua partida hoje de novo para a Ásia, exprimiu o desejo  que seja retomada o diálogo entre as duas Coreias.

No capítulo dos aspectos positivos que dão esperança ao mundo, o Papa evocou a cultura do encontro que encontrou na Albânia; a Turquia, ponte histórica entre o Oriente e Ocidente, e onde pode constatar os frutos do diálogo ecuménico e inter-religioso, assim como a solicitude pelos refugiados do Médio Oriente, o mesmo na Jordânia; a retomada do diálogo entre os Estados Unidos e Cuba depois de mais de 50 anos de silêncio; as transformações político-sociais no Brukina-Faso; o acordo que pôs fim em Março passado a longos anos de tensões nas Filipinas. O Papa encorajou também o empenho a favor duma paz estável na Colômbia, bem como as iniciativas que visam restabelecer a concórdia na vida política e social da Venezuela e exprimiu a esperança de que em breve se chegue a um entendimento definitivo entre o Irão e chamado Grupo dos 5+1 sobre a utilização da energia nuclear para fins pacíficos.

O Papa manifestou satisfação também pelo encerramento definitivo, por parte do  Estados Unidos, da prisão de Guantánamo e a disponibilidade de alguns países para acolher os detidos.

Por fim encorajou os países que estão empenhados em favorecer o desenvolvimento humano, a estabilidade política e a convivência civil entre os seus cidadãos.

E recordando as palavras de Papa Paulo XVI, “nunca mais a guerra, nunca mais a guerra”, disse que esta é também a sua invocação para este novo ano em que haverá a continuação de dois processos importantes: a redacção da Agenda do Desenvolvimento pós-2015, com a adopção dos Objectivos de desenvolvimento sustentável e a elaboração de um novo Acordo sobre o clima. O pressuposto para tudo isso – rematou  - é a paz que brota da conversão do coração.

Sem comentários:

Enviar um comentário