31 dezembro, 2015

Papa Francisco, 2015: duas ‘fotos’ especiais para recordar

(RV)
2015 com Francisco

Em 2015 muitos foram os encontros, celebrações, viagens, mensagens, homilias, discursos e atitudes que marcaram o pontificado do Papa Francisco: as viagens apostólicas ao Sri Lanka e às Filipinas, à Bolívia, ao Paraguai, ao Equador, a Cuba e aos Estados Unidos da América; a Encíclica “Laudato Si”; o Sínodo dos Bispos sobre a Família e tantos outros momentos excecionais e alguns que se tornaram em absolutamente normais, tais como, as Missas em Santa Marta de cujas homilias a RV dá notícia em primeira mão.

Neste último dia do ano recordamos duas fotos especiais  do Papa Francisco em África: uma no Quénia, na sua visita a Kangemi, o bairro de lata de Nairobi; a outra foto na República Centro Africana na abertura da Porta Santa de Bangui no Jubileu da Misericórdia.

No bairro de lata no Quénia

Nairobi, 27 de Novembro – um início de manhã especial para o bairro de Kangemi, um dos 7 bairros de lata de Nairobi: grande entusiasmo entre os habitantes; presentes também muitas pessoas vindas de outros bairros da capital. O Papa Francisco foi à Igreja Paroquial de S. José Operário, animada por uma comunidade de jesuítas.
O Santo Padre ouviu os testemunhos de alguns dos habitantes do bairro e de uma religiosa que vive naquele lugar. Destaque para um filme que foi apresentado ao Papa onde se podem ver esgotos a céu aberto, barracas e estradas na lama, os pequenos negócios com que as pessoas vivem, e também as comunidades em oração e as crianças que jogam à bola.

Nas palavras que proferiu o Papa não poderia ter sido mais direto: “sinto-me em casa” – disse:
“Sinto-me em casa, partilhando este momento com irmãos e irmãs que têm um lugar preferencial na minha vida e nas minhas opções, não me envergonho de o dizer. Estou aqui porque quero que saibais que as vossas alegrias e esperanças, as vossas angústias e as vossas dores não me são indiferentes. Conheço as dificuldades que encontrais dia-a-dia! Como podemos não denunciar as injustiças?”

O Papa denunciou as injustiças e a marginalização promovida por “minorias que concentram o poder e a riqueza”, pediu trabalho para todos e declarou ainda “que todas as famílias tenham um teto digno, acesso à água potável, instalações sanitárias, energia segura para iluminar, cozinhar, que possam melhorar as suas casas, que todos os bairros tenham estradas, praças, escolas, hospitais”.

O Papa Francisco denunciou ainda a “apropriação de terras por parte de investidores privados sem rosto, que pretendem mesmo apoderar-se do pátio das escolas”. Ao mesmo tempo denunciou a criminalidade organizada que usa os mais jovens nas suas actividades ilícitas.
O Santo Padre recordou também que o mundo tem uma “grave dívida social” para com os pobres que não têm acesso à água potável, criticando quem acaba por lucrar com a exploração daquele que é um direito universal.

Mas o Papa quis colocar em realce um aspeto nem sempre reconhecido e que é a sabedoria dos bairros populares: uma sabedoria que provêm de uma “obstinada resistência daquilo que é autêntico”, e que uma frenética sociedade de consumo parece ter esquecido:

“Reconhecer estas manifestações de vida boa que crescem cada dia entre vós, não significa, de modo algum, ignorar a terrível injustiça da marginalização urbana. São as feridas provocadas pelas minorias que concentram o poder, a riqueza e perduram egoisticamente, enquanto a crescente maioria tem que refugiar-se em periferias abandonadas, poluídas e descartadas.”

O Papa Francisco fez um apelo especial a todos os cristãos, em particular aos pastores, a renovarem o  ímpeto missionário e a tomarem iniciativas contra as tantas injustiças e a envolverem-se nos problemas dos cidadãos e a acompanhá-los nas suas lutas, a apoiarem os frutos do seu trabalho colectivo e a celebrarem com eles cada pequena ou grande vitória.

Jubileu na Catedral – a Porta Santa de Bangui

Neste momento de viragem de 2015 para 2016, recordamos um momento essencial para os próximos tempos da Igreja: o Ano Santo da Misericórdia que começou em África em Bangui. Dulce Araújo e Bernardo Suate recordam-nos esse momento com o trabalho que realizaram na tarde desse domingo dia 29 de novembro de 2015.

Na Catedral de Bangui, o Papa Francisco procedeu à abertura da Porta Santa, dando assim início ao Jubileu Extraordinário do Ano da Misericórdia na República Centro-Africana, Jubileu proclamado pelo Papa a 11 de abril deste ano. Na homilia da Missa, participada por sacerdotes, religiosos, seminaristas e milhare de fiéis da RCA, o Papa disse ante de tudo que Deus guiou os seus passos até esta terra, precisamente quando a Igreja universal se prepara para inaugurar o Ano Jubilar da Misericórdia. E na pessoa dos presentes Francisco saudou o pvo da RCA:

“Através de vós, quero saudar todos os centro-africanos, os doentes, as pessoas idosas, os feridos pela vida. Talvez alguns deles estejam desesperados e já não tenham força sequer para reagir, esperando apenas uma esmola, a esmola do pão, a esmola da justiça, a esmola dum gesto de atenção e bondade».

Em seguida o Papa convidou a todos a confiar na força e no poder de Deus que curam o homem, convidando-os a «passar à outra margem», como diz o moto da visita do Papa à RCA, uma travessia, reiterou o Papa, que não faremos sozinhos mas juntamente com Jesus. E Francisco sublinhou:

« Devemos estar cientes de que esta passagem para a outra margem só se pode fazer com Ele, libertando-nos das concepções de família e de sangue que dividem, para construir uma Igreja-Família de Deus, aberta a todos, que cuida dos mais necessitados. Isto pressupõe a proximidade aos nossos irmãos e irmãs, isto implica um espírito de comunhão. Não se trata primariamente duma questão de recursos financeiros; realmente basta compartilhar a vida do Povo de Deus, dando a razão da esperança que está em nós e sendo testemunhas da misericórdia infinita de Deus”.

Na verdade, depois de nós mesmos termos feito a experiência do perdão, devemos perdoar, pois uma das exigências essenciais da vocação à perfeição é o amor aos inimigos, um amor que nos protege contra a tentação da vingança e contra a espiral das retaliações sem fim, disse Francisco que também acrescentou:

“Consequentemente os agentes de evangelização devem ser, antes de mais nada, artesãos do perdão, especialistas da reconciliação, peritos da misericórdia. É assim que podemos ajudar os nossos irmãos e irmãs a «passar à outra margem», revelando-lhes o segredo da nossa força, da nossa esperança, e da nossa alegria que têm a sua fonte em Deus, porque estão fundadas na certeza de que Ele está connosco no barco”.

“A todos aqueles que usam injustamente as armas deste mundo, lanço um apelo: deponde esses instrumentos de morte; armai-vos, antes, com a justiça, o amor e a misericórdia, autênticas garantias de paz».

2016 será profundamente marcado pelo impulso pastoral que o Ano Santo da Misericórdia propõe e que começou, como acabamos de recordar, no passado mês de novembro no centro da África.

A nossa redação de língua portuguesa da Rádio Vaticano aqui estará durante o ano de 2016, todos os dias e em permanência, para lhe dar o essencial da informação sobre o Papa, a Santa Sé, a Igreja e os principais assuntos que marcam a atualidade internacional.

Para todos um Feliz Ano Novo de 2016!

(RS)

30 dezembro, 2015

Papa Francisco: apelo em prol das vítmas das enchentes


 

(RV) Cidade do Vaticano – No final da Audiência Geral desta quarta-feira (30/12), o Papa Francisco fez um apelo em prol das vítimas das enchentes nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na América do Sul.

“Convido a rezar pelas vítimas das calamidades que, nesses dias, atingiram os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a América do Sul, especialmente o Paraguai, causando infelizmente mortos, muitos desabrigados e grandes prejuízos. Que o Senhor dê conforto a essas populações, e a solidariedade fraterna, os socorra nas suas necessidades.”

Enchentes no Paraguai, Uruguai e Argentina causaram a morte de pelo menos oito pessoas e 150 mil desabrigados. No Brasil, as chuvas também desalojaram 1,9 famílias no Rio Grande do Sul, levando 12 prefeituras a decretarem situação de emergência. Nos Estados Unidos, 40 pessoas morreram no sul e centro do país por desastres naturais.

Na Grã-Bretanha, o sul da Inglaterra e partes do País de Gales foram atingidos por fortes enchentes nos últimos dias. Um homem na cidade de Somerset morreu depois de ter ficado preso dentro de seu carro.

Papa Francisco: Deus é humilde e se fez criança por nós




(RV) Cidade do Vaticano – Milhares de peregrinos participaram da última Audiência Geral do ano, na Praça S. Pedro .Como de costume, antes de pronunciar a sua catequese, o Papa saudou os presentes a bordo do seu papamóvel.

Ao se dirigir aos peregrinos, Francisco refletiu sobre a devoção ao Menino Jesus, o protagonista do presépio nesses dias natalícios. Muitos santos e santas cultivaram essa devoção, como por exemplo Santa Teresa de Lisieux, que como monja carmelita escolheu o nome de Teresa do Menino Jesus. Ela soube viver aquela “infância espiritual” que se assimila justamente meditando a humildade de Deus que se fez pequeno por nós.

“E este é um grande mistério, Deus é humilde! Nós é que somos orgulhosos, repletos de vaidade e acreditamos ser grandes, e somos nada! Ele é grande, é humilde e se faz criança. Este é um verdadeiro mistério!”.

 E Francisco acrescentou que toda a vida terrena de Jesus é revelação e ensinamento, sendo a morte e ressurreição a expressão máxima do seu amor redentor.

Para crescer na fé, disse o Papa, seria necessário contemplar com mais frequência o Menino Jesus, não obstante se saiba pouco da sua infância: da apresentação ao Templo à visita dos Reis Magos, há um salto de doze anos até a peregrinação de Jesus com Maria e José para a celebração da Páscoa. Todavia, prosseguiu, podemos aprender muito da sua vida se olharmos para o modo de ser das crianças.

Antes de tudo, elas querem a nossa atenção e precisam dela para se sentirem protegidas: “É necessário também para nós colocar Jesus no centro da nossa vida e, mesmo que possa parecer paradoxal, saber que temos a responsabilidade de protegê-lo. Ele quer estar entre os nossos braços, deseja ser acudido e poder fixar o seu olhar no nosso.”

As crianças, por fim, amam brincar e, para isso, é preciso abandonar a nossa lógica para entrar na lógica infantil. Trata-se de um ensinamento.
“Diante de Jesus somos chamados a abandonar a nossa pretensão de autonomia - este é o nó da questão -, para acolher ao invés a verdadeira forma de liberdade, que consiste em conhecer quem temos diante de nós e servi-lo: é o Filho de Deus. Ele veio para nos mostrar a face do Pai rico de amor e de misericórdia. Coloquemo-nos a seu serviço”.
Por fim, Francisco pediu que, ao voltarem para casa, os fiéis se aproximem do presépio e beijem o Menino Jesus, pedindo a seguinte graça: “Jesus, quero ser humilde como você, humilde como Deus”.
E Francisco saudou os peregrinos de língua portuguesa presentes na Praça de S. Pedro, fazendo votos para que no coração de todos, possa sempre resplandercer a luz que nos revela o rosto tenro e misericordioso do Pai celeste. E o Papa, a todos deu a sua bênção.

REFLEXÃO PARA UM NOVO ANO, OU PARA UM COMEÇAR DE NOVO!

 
 
Por vezes subo à minha cruz e nela me deixo pregar pelas provações, pelas tristezas, pelos sofrimentos da minha vida.
Mas não resisto muito tempo e, perante a imediata falta de alívio, arranco eu mesmo os cravos, guardo a minha cruz no armário das coisas do passado e tento caminhar como se ela não existisse.
Mas de nada vale, porque ela me acompanha, pesa-me sobre os ombros e não me deixa esquecer.

É então que Ele vem, com aquele imenso olhar de ternura e amor, e me diz:
Porque não confiaste em Mim? Porque não esperaste em Mim? Porque preferiste ouvir o mundo que te disse: «Se és homem desce da tua cruz, porque tu és capaz sozinho.»

E eu respondo, envergonhado:
Mas, Senhor, Tu demoraste tanto!

Olha-me então nos olhos e fala-me cheio de amor:
Não vês, meu filho, que tu queres sempre começar pelo fim? Estás à espera que Eu chegue ao pé de ti e te diga - «Levanta-te, pega na enxerga e vai para tua casa.» Lc 5, 24 – quando é preciso que Eu comece por - «Homem, os teus pecados estão perdoados.» Lc 5, 20

Mas, Senhor, eu quero crer, eu quero confiar, eu quero esperar, mas é tão difícil, quando me deixo pregar na minha cruz!

Ele responde na sua amorosa e eterna paciência:
Sabes bem, meu filho, que se não for Eu a arrancar os cravos das tuas provações, das tuas tristezas, dos teus sofrimentos, eles ficarão sempre em ti, a ferir-te, magoar-te, a condicionar-te. Só Eu te posso libertar, porque só Eu te amo com amor eterno e só Eu me dei inteiramente por ti.

Olho-O nos olhos e digo com o coração transbordando:
Eu sei, Senhor, eu sei. Ajuda-me a crer mais, a confiar totalmente, a esperar sem desistir.

Toma-me então pela mão, aperta-me junto a Si e diz-me:
Sobe para a tua cruz. Crê que Eu estou sempre contigo. Espera e confia, porque vai chegar a hora em que Eu mesmo arrancarei das tuas mãos e dos teus pés os cravos que te prendem a vida. Depois subirás para a minha Cruz, feita Vida Nova para ti, e nela viverás comigo, «pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.»


Marinha Grande, 30 de Dezembro de 2015
Joaquim Mexia Alves


Nota: 
Desejo a todas as pessoas amigas que lêem este espaço, um Novo Ano cheio das bênçãos de Deus.

29 dezembro, 2015

Jovens europeus no encontro ecuménico de Taizé em Valência




(RV) Cerca de 30 mil jovens europeus iniciaram segunda-feira em Valência, na Espanha, mais um encontro de oração organizado pela Comunidade Ecuménica de Taizé.

Na mensagem que lhes dirigiu o Papa Francisco exorta as novas gerações a se tornarem “oásis de misericórdia” de modo particular em relação aos numerosos migrantes que precisam de ser acolhidos.

Aos jovens de Taizé são enviados mensagem também de outro líderes religiosos: o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, recorda que o ano que está para se concluir foi sacudido pelo ódio. “O terrorismo – acrescenta – deve ser combatido voltando o nosso olhar para os outros e respondendo ao medo com o amor”. O Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, líder espititual da comunidade anglicana, exprime o desejo de que os jovens sejam “sinal de esperança” para a humanidade. “Possam os jovens – sublinha – descobrir o perdão e a comunhão para reforçar a confiança cristã e ser testemunhos ao serviço do mundo”.

Em todo o mundo – lê-se na reflexão que Frère Alois, prior da Comunidade de Taizé dirigiu aos jovens – novas dificuldades, ligadas às migrações, ecologia, sociedade colocam desafios ao crente de qualquer religião”. Que uma pessoa seja católica, ortodoxa ou protestante, há sempre a possibilidade de construir todos juntos um futuro melhor já a partir de hoje – disse.

(DA)

27 dezembro, 2015

Domingo da Sagrada Família – texto da homilia do Papa




(RV) Festa da Sagrada Família – na Basílica de S. Pedro no Vaticano o Papa Francisco presidiu à Eucaristia deste domingo celebrando o Jubileu das Famílias no Ano Santo da Misericórdia. Publicamos aqui o texto integral da homilia do Santo Padre:



Santa Missa na Festa da Sagrada Família

(Basílica de S. Pedro, 27 de Dezembro de 2015)

As leituras bíblicas, que acabámos de ouvir, apresentam-nos a imagem de duas famílias que realizam a sua peregrinação à casa de Deus. Elcana e Ana levam o filho Samuel ao templo de Silo e consagram-no ao Senhor (cf. 1 Sm 1, 20-22.24-28). E da mesma forma José e Maria, juntamente com Jesus, vão como peregrinos a Jerusalém pela festa da Páscoa (cf. Lc 2, 41-52).

Muitas vezes os nossos olhos deparam com os peregrinos que vão a santuários e lugares queridos da devoção popular. Mesmo nestes dias, há muitos que se puseram a caminho para penetrar na Porta Santa aberta em todas as catedrais do mundo e também em muitos santuários. Mas o facto mais interessante posto em evidência pela Palavra de Deus é a peregrinação ser feita pela família inteira: pai, mãe e filhos vão, todos juntos, à casa do Senhor a fim de santificar a festa pela oração. É uma lição importante oferecida também às nossas famílias.

Como nos faz bem pensar que Maria e José ensinaram Jesus a rezar as orações! E saber que, durante o dia, rezavam juntos; depois, ao sábado, iam juntos à sinagoga ouvir as Sagradas Escrituras da Lei e dos Profetas e louvar o Senhor com todo o povo! E que certamente rezaram, durante a peregrinação para Jerusalém, cantando estas palavras do Salmo: «Que alegria, quando me disseram: “Vamos para a casa do Senhor!” Os nossos passos detêm-se às tuas portas, ó Jerusalém» (122/121, 1-2)!

Como é importante, para as nossas famílias, caminhar juntos e ter a mesma meta em vista! Sabemos que temos um percurso comum a realizar; uma estrada, onde encontramos dificuldades, mas também momentos de alegria e consolação. Nesta peregrinação da vida, partilhamos também os momentos da oração. Que poderá haver de mais belo, para um pai e uma mãe, do que abençoar os seus filhos ao início do dia e na sua conclusão? Fazer na sua fronte o sinal da cruz, como no dia do Baptismo? Não será esta, porventura, a oração mais simples que os pais fazem pelos seus filhos? Abençoá-los, isto é, confiá-los ao Senhor, para que seja Ele a sua protecção e amparo nos vários momentos do dia? Como é importante, para a família, encontrar-se também para um breve momento de oração antes de tomar as refeições juntos, a fim de agradecer ao Senhor por estes dons e aprender a partilhar o que se recebeu com quem está mais necessitado. Trata-se sempre de pequenos gestos, mas expressam o grande papel formativo que a família possui.

No final daquela peregrinação, Jesus voltou para Nazaré e era submisso a seus pais (cf. Lc 2, 51). Também esta imagem contém um ensinamento estupendo para as nossas famílias; é que a peregrinação não termina quando se alcança a meta do santuário, mas quando se volta para casa e se retoma a vida de todos os dias, fazendo valer os frutos espirituais da experiência vivida. Sabemos o que Jesus então fizera: em vez de voltar para casa com os seus, ficou em Jerusalém no Templo, causando uma grande aflição a Maria e a José que não O encontravam. Provavelmente, por esta sua «escapadela», também Jesus teve que pedir desculpa a seus pais (o Evangelho não diz, mas acho que podemos supô-lo). Aliás, na pergunta de Maria, subjaz de certo modo uma repreensão, ressaltando a preocupação e angústia dela e de José. No regresso a casa, com certeza Jesus uniu-se estreitamente a eles, para lhes demonstrar toda a sua afeição e obediência.

No Ano da Misericórdia, possa cada família cristã tornar-se um lugar privilegiado onde se experimenta a alegria do perdão. O perdão é a essência do amor, que sabe compreender o erro e pôr-lhe remédio. É no seio da família que as pessoas são educadas para o perdão, porque se tem a certeza de ser compreendidas e amparadas, não obstante os erros que se possam cometer.

Não percamos a confiança na família! É bom abrir sempre o coração uns aos outros, sem nada esconder. Onde há amor, também há compreensão e perdão. A vós todas, queridas famílias, confio esta missão tão importante de que, hoje, o mundo e a Igreja têm mais necessidade do que nunca.

26 dezembro, 2015

Jubileu das Famílias com o Papa Francisco. Veja e ouça na RV



(RV) Neste Domingo da Sagrada Família destaque no Vaticano para a Missa presidida pelo Papa Francisco pelas 10 horas de Roma. É o Jubileu das Famílias no âmbito do Ano Santo da Misericórdia.

Entretanto, recordamos aqui a agenda do Papa Francisco para os próximos dias com os horários de Roma:

Na quinta-feira 31 de Dezembro, último dia do ano de 2015 o Santo Padre preside ao Te Deum na Basílica de S. Pedro.

Na sexta-feira, 1 de Janeiro, primeiro dia do novo ano  de 2016, o Papa celebra de manhã a Santa Missa de Ano Novo e à tarde, será a abertura da Porta Santa da Basílica de Santa Maria Maior.


25 dezembro, 2015

Patriarcado de Lisboa - Homilia da Missa do dia de Natal

Homilia no Natal do Senhor (Missa do Dia)

Nós vimos a sua glória!

«E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória…». Assim acabámos de escutar, caríssimos irmãos e irmãs, como magnificamente ressoa há tantos séculos no prólogo do quarto Evangelho. Mas também há de ressoar agora na convicção mais forte e na coerência mais certa das nossas vidas cristãs.
Porque não é pouco. É muitíssimo e será absolutamente tudo. «Nós vimos a sua glória…»: - Que nos diz o trecho e que professamos nós com ele? Fala-se de “glória”, mas que glória? Fala-se de “ver”, mas qual glória realmente vimos e continuamos a ver naquele Menino nascido, depois crescido e a oferecer-se por nós e por todos?
Meditemos um pouco, como hoje muito especialmente devemos. A palavra “glória”- traduzindo o grego doxa e o hebraico kabod – significa também “esplendor”, quando a plenitude divina como que transborda e se difunde na criação inteira. Concentra-se em Jesus Cristo, no qual Deus se diz – por isso é Verbo – e se manifesta na humanidade que assume, assim mesmo encarnando.
O quarto Evangelho ensina-nos depois a ver a glória de Deus nos “sinais” com que Jesus a apresenta. Logo no primeiro, quando mudou a água que lhe deram no “vinho novo” que só Ele podia dar a provar, como definitivamente o deu. Por isso o comentário: «Assim, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele» (Jo 2,11).
Seguiram-se outros seis: Quando curou o filho do funcionário real (Jo 4, 46 ss), quando curou o paralítico da piscina de Betzatá (5, 1 ss), quando multiplicou os pães e os peixes (6, 1 ss), quando caminhou sobre as águas (6, 16 ss), quando curou o cego de nascença (9, 1 ss) e quando ressuscitou o seu amigo Lázaro (11, 33 ss). Reparemos que, qual encarnação continuada, é no detalhe preciso duma vida convivida que Jesus manifesta a sua glória, como exuberância divina que inteiramente salva, no corpo e no espírito, a humanidade que O espera.

Foi nos seus últimos momentos na terra que Jesus manifestou em pleno o que seja a glória dum Deus que nos ama – como se realizasse inteiramente o seu Natal. Pois assim mesmo a localiza o evangelista, na última ceia e quando é abandonado e traído: «Depois de Judas ter saído, Jesus disse: “Agora é que se revela a glória do Filho do Homem e assim se revela nele a glória de Deus”» (Jo 13,31). Tão diferente das nossas presunções, a glória de Deus no seu infinito amar, apesar de tudo e até apesar de nós… Mais do que material, é profundamente verdadeiro o antigo dito de que «as tábuas do presépio foram depois as tábuas da cruz».
Mais explícito porventura, eis o que Jesus pede ao Pai na sua oração sacerdotal, por si, pelos discípulos e por todos: «Pai, chegou a hora. Manifesta a glória do teu Filho, de modo que o Filho manifeste a tua glória, segundo o poder que lhe deste sobre toda a Humanidade, a fim de que dê a vida eterna a todos os que lhe entregaste» (Jo 17, 1-2). – Estamos realmente a vê-lo, a Jesus e à sua glória? Ao Pai, que tudo lhe entregou, pois o enviou na humanidade de nós todos, pede que em si mesmo o amor vá até ao fim, pois a verdadeira glória só nisso reside.
Um amor que vai até ao fim: Esta é a glória de Deus, como em Cristo se manifesta. E que comece por ir até ao outro, onde o outro está, carece e espera, ainda que o não saiba. É eternamente Filho, porque “sai” do Pai e para o Pai retorna, na circulação completa da vida divina. Assim mesmo se fez um de nós, para nele podermos ser filhos de Deus também, num Espírito só, numa mesma glória. Como prosseguiu, na mesma oração: «Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um. Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim» (Jo 17, 22-23).  
A lição de Cristo, no Natal começada, é esta e só esta, e a sua glória: manifestação de Deus, como amor provado, para o sermos também. E à sua luz veremos tudo o mais.

Seremos “sinais”: Sinais da glória de Deus neste mundo, porque, com Cristo e no Espírito de Cristo, reviveremos o mesmo “sair de si”, o mesmo encontrar-se nos outros e para os outros, sobretudo os mais pobres e frágeis. Mais, muito mais, do que obter qualquer glória caduca, sabe-se lá à custa de quê e de quem, pretendamos a glória perene que é amor divino, do Presépio à Cruz, e apenas à custa do nosso egoísmo ultrapassado.
Perguntemos e respondamos, com as palavras dum belo poema do Ofício Divino: «- Que salmos ou que versos cantaremos / Em teu louvor, ó Luz imensa e pura, / Luz de quem o Sol claro e quanto vemos / Recebe luz e graça e formosura? / […] Só o amor Te louva, só Te obriga, / Ó beleza tão nova e tão antiga».
A glória de Deus no seu Verbo incarnado, a glória do Verbo ecoado em nós, com idêntico Espírito, com as mesmas obras, pelo mundo inteiro. Ampliadas no tempo e no espaço, mas continuando suas. Como também disse: «Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque eu vou para o Pai, e o que pedirdes em meu nome eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai» (Jo 14, 12-13).
Particularmente agora, no Jubileu da Misericórdia com a atitude que requer, para ser o que promete e a graça divina oferece. Misericórdia que se traduz em corações decididamente voltados para tudo quanto seja pobre, carente e frágil, como o coração de Deus se manifestou no Natal de Cristo, pobre entre pobres, pobre para os pobres.
Na bula em que providencialmente nos convocou para o presente Ano Santo, o Papa Francisco liga a “nova evangelização” que este tempo exige à “misericórdia” que a definirá. E insiste: «É determinante para a Igreja e para a credibilidade do seu anúncio que viva e testemunhe, ela mesma, a misericórdia. A sua linguagem e os seus gestos, para penetrarem no coração das pessoas e desafiá-las a encontrar novamente o caminho para regressar ao Pai, devem irradiar misericórdia» (Misericordiae Vultus, 12).
Caríssimos irmãos e irmãs: Pela grande porta jubilar desta sé, aqui nos reunimos e assim divisamos a glória de Deus na incarnação do seu Verbo. Convertamo-nos ao modo divino de ser e aparecer, para que, também por nós, irradie agora. O testemunho de quantos, nas famílias, nas comunidades, nos hospitais, nas prisões e nas ruas da nossa cidade, sem mediatismo nem espavento, reproduzem hoje o Natal de Cristo, atrai e convence, como glória autêntica.

Sé de Lisboa, Natal do Senhor (Missa do Dia), 25 de dezembro de 2015
+ Manuel, Cardeal-Patriarca 

Patriarcado de Lisboa

Mensagem e Benção Urbi et Orbi – texto integral



(RV) Neste dia 25 de Dezembro, Dia de Natal o Papa Francisco dirigiu-se à “cidade e ao mundo” na tradicional Mensagem e Benção Urbi et Orbi. Publicamos aqui o texto integral pronunciado pelo Santo Padre:

Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!

Cristo nasceu para nós, exultemos no dia da nossa salvação!Abramos os nossos corações para receber a graça deste dia, que é Ele próprio: Jesus é o «dia» luminoso que surgiu no horizonte da humanidade. Dia de misericórdia, em que Deus Pai revelou à humanidade a sua imensa ternura. Dia de luz que dissipa as trevas do medo e da angústia. Dia de paz, em que se torna possível encontrar-se, dialogar, reconciliar-se. Dia de alegria: uma «grande alegria» para os pequenos e os humildes, e para todo o povo (cf. Lc 2, 10).

Neste dia, nasceu da Virgem Maria Jesus, o Salvador. O presépio mostra-nos o «sinal» que Deus nos deu: «um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12). Como fizeram os pastores de Belém, vamos também nós ver este sinal, este acontecimento que, em cada ano, se renova na Igreja. O Natal é um acontecimento que se renova em cada família, em cada paróquia, em cada comunidade que acolhe o amor de Deus encarnado em Jesus Cristo. Como Maria, a Igreja mostra a todos o «sinal» de Deus: o Menino que Ela trouxe no seu ventre e deu à luz, mas que é Filho do Altíssimo, porque «é obra do Espírito Santo» (Mt 1, 20). Ele é o Salvador, porque é o Cordeiro de Deus que toma sobre Si o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29). Juntamente com os pastores, prostremo-nos diante do Cordeiro, adoremos a Bondade de Deus feita carne e deixemos que lágrimas de arrependimento inundem os nossos olhos e lavem o nosso coração.

Ele, só Ele, nos pode salvar. Só a Misericórdia de Deus pode libertar a humanidade de tantas formas de mal – por vezes monstruosas – que o egoísmo gera nela. A graça de Deus pode converter os corações e suscitar vias de saída em situações humanamente irresolúveis.

Onde nasce Deus, nasce a esperança. Onde nasce Deus, nasce a paz. E, onde nasce a paz, já não há lugar para o ódio e a guerra. E no entanto, precisamente lá onde veio ao mundo o Filho de Deus feito carne, continuam tensões e violências, e a paz continua um dom que deve ser invocado e construído. Oxalá israelitas e palestinenses retomem um diálogo directo e cheguem a um acordo que permita a ambos os povos conviverem em harmonia, superando um conflito que há muito os mantém contrapostos, com graves repercussões na região inteira.

Ao Senhor, pedimos que o entendimento alcançado nas Nações Unidas consiga quanto antes silenciar o fragor das armas na Síria e pôr remédio à gravíssima situação humanitária da população exausta. É igualmente urgente que o acordo sobre a Líbia encontre o apoio de todos, para se superarem as graves divisões e violências que afligem o país. Que a atenção da Comunidade Internacional se concentre unanimemente em fazer cessar as atrocidades que, tanto nos referidos países, como no Iraque, Líbia, Iémen e na África subsaariana, ainda ceifam inúmeras vítimas, causam imensos sofrimentos e não poupam sequer o património histórico e cultural de povos inteiros. Penso ainda em quantos foram atingidos por hediondos actos terroristas, em particular pelos massacres recentes ocorridos nos céus do Egipto, em Beirute, Paris, Bamaco e Túnis.

Aos nossos irmãos, perseguidos em muitas partes do mundo por causa da sua fé, o Menino Jesus dê consolação e força.

Paz e concórdia, pedimos para as queridas populações da República Democrática do Congo, do Burundi e do Sudão do Sul, a fim de se reforçar, através do diálogo, o compromisso comum em prol da edificação de sociedades civis animadas por sincero espírito de reconciliação e compreensão mútua.

Que o Natal traga verdadeira paz também à Ucrânia, proporcione alívio a quem sofre as consequências do conflito e inspire a vontade de cumprir os acordos assumidos para se restabelecer a concórdia no país inteiro.

Que a alegria deste dia ilumine os esforços do povo colombiano, para que, animado pela esperança, continue empenhado na busca da desejada paz.

Onde nasce Deus, nasce a esperança; e, onde nasce a esperança, as pessoas reencontram a dignidade. E, todavia, ainda hoje há multidões de homens e mulheres que estão privados da sua dignidade humana e, como o Menino Jesus, sofrem o frio, a pobreza e a rejeição dos homens. Chegue hoje a nossa solidariedade aos mais inermes, sobretudo às crianças-soldado, às mulheres que sofrem violência, às vítimas do tráfico de seres humanos e do narcotráfico.

Não falte o nosso conforto às pessoas que fogem da miséria ou da guerra, viajando em condições tantas vezes desumanas e, não raro, arriscando a vida. Sejam recompensados com abundantes bênçãos quantos, indivíduos e Estados, generosamente se esforçam por socorrer e acolher os numerosos migrantes e refugiados, ajudando-os a construir um futuro digno para si e seus entes queridos e a integrar-se nas sociedades que os recebem.

Neste dia de festa, o Senhor dê esperança àqueles que não têm trabalho e sustente o compromisso de quantos possuem responsabilidades públicas em campo político e económico a fim de darem o seu melhor na busca do bem comum e na protecção da dignidade de cada vida humana.

Onde nasce Deus, floresce a misericórdia. Esta é o presente mais precioso que Deus nos dá, especialmente neste ano jubilar em que somos chamados a descobrir a ternura que o nosso Pai celeste tem por cada um de nós. O Senhor conceda, particularmente aos encarcerados, experimentar o seu amor misericordioso que cura as feridas e vence o mal.

E assim hoje, juntos, exultemos no dia da nossa salvação. Ao contemplar o presépio, fixemos o olhar nos braços abertos de Jesus, que nos mostram o abraço misericordioso de Deus, enquanto ouvimos as primeiras expressões do Menino que nos sussurra: «Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: “A paz esteja contigo”»! (Sal 122/121, 8).

24 dezembro, 2015

Patriarcado de Lisboa - Homilia da Missa da noite de Natal


Homilia no Natal do Senhor (Missa da Noite)

Para ouvirem connosco o cântico dos anjos…

Congrega-nos aqui, no meio luminoso da noite em que estamos, a lição do modo cristão de aparecer. É certo, irmãos e irmãs, que não há noite em que não nasçam crianças, por esse mundo além. Com cada uma delas como que renasce o mundo, “presentes” que são de Deus e da vida. Todavia, este “eterno nascido de ainda agora”, como lhe chamou um dos nossos clássicos (Padre Manuel Bernardes), não é mais um entre tantos que felizmente são. Traz-nos – no preciso modo em que a trouxe - a divindade que Ele é para a humanidade que nós somos e Ele quis ser também.
A grande luz do Natal é esta mesma e resplende perenemente assim. Não que a saibamos explicar, pois é ela que nos explica a nós, no que já somos e havemos de ser em Cristo. Como reza um salmo: «Na vossa luz, Senhor, veremos a luz!». Viemos também nós agora, quais pastores daquela noite, atraídos pelo seu fulgor, que sempre desponta onde despontou: na maneira mais despojada e simples que podia ser. Em tal contraste com as nossas previsões, que sempre tardamos em convencer-nos do modo divino de nascer no mundo e acontecer nas vidas. Como uma frágil criança, assim tida por Maria, assim guardada por José.
Fragilidade tão forte que nos trouxe aqui, como mundo fora atrai tantos irmãos nossos - e alguns arriscando muito, para ouvir o que ouvimos, cantar algo de semelhante e receber a mesma Vida. Agradeçamos o seu testemunho, rezemos por eles que também rezam por nós, em torno de idêntico Presépio. Guardemos a beleza que nos circunda e o testemunho que prestam: duma coisa e outra precisamos, para que o coração não esfrie quando a beleza for difícil.
No Evangelho escutado houve uma suspensão dramática e assim descrita: Maria «envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria». Meditemos também. E interroguemo-nos nós próprios sobre o lugar que damos ao Menino que quer nascer. Lugar na mente e no coração, como pensamento e desejo.
Lugar até na disposição das coisas e dos espaços, domésticos e públicos. Pois, dizendo-nos católicos cerca de oitenta por cento dos portugueses, como se exprime isso mesmo na cenografia que criamos? No Evangelho contemplamos um Menino em Família, vemos pastores que chegam e até ouvimos cânticos angélicos. Não há “pais natais” com sacos de presentes – pobre contrafação consumista do verdadeiro São Nicolau, um antigo bispo que deixou boa memória de amigo de pobres e crianças... – Onde deparamos com a representação autêntica do Natal de Cristo, como foi então e importava agora? Aqui e ali decerto, mas menos, muito menos, do que podia e devia ser. Não teve lugar na hospedaria de então… - Que lugar tem hoje, tanto que se veja e possa oferecer?
Nada se impõe a ninguém, como não se impôs na altura, mas sempre se há de propor a quem procure e queira. E é tempo e mais que tempo para entendermos uma sã laicidade, onde os sentimentos de cada um se possam oferecer a todos, num espaço partilhado e sem guetos mal mantidos; de pessoas entre pessoas e crenças entre crenças, enriquecendo o conjunto com tradições avalisadas, num quadro geral de irrenunciáveis direitos humanos.

Mas a nossa meditação continua ainda, com atualidade irrecusável. Antes de mais, a atualidade da incarnação de Deus na humanidade de todos – e especialmente de quem sofre por também «não ter lugar».
Infelizmente, não faltam aceções desta carência. Como verificamos na multidão de migrantes e refugiados que hoje chegam à Europa, quando conseguem chegar… Não sendo inéditos os movimentos migratórios, a atualidade dá-lhes volume e impacto muito especiais e severos. Para nós, que tudo queremos contemplar à luz de Cristo, repete-se neles o momento dramático do seu próprio Natal, quando também não teve o lugar devido.
Muito havemos de fazer, para já na disposição e depois no que for preciso, para vivermos consequentemente isto mesmo que celebramos, para um melhor futuro, nosso com eles e deles connosco, num presépio ainda mais plural e concorrido que os dos nossos excelentes barristas de setecentos.
Ouvimos os apelos do Papa Francisco - como o da sua Mensagem para o próximo Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (17 de janeiro de 2016). Fixo-me em quatro pontos dela, que a infância de Cristo ilumina, de Belém ao Egito e do Egito a Nazaré: 1º) Os fluxos migratórios são hoje uma realidade estrutural e não episódica, que exige a consideração séria das suas causas e das mudanças que originam. Encontrando resposta globais para problemas tão sérios, faremos o que devemos e proporcionaremos a outros o que esperaríamos que nos fizessem a nós, em iguais circunstâncias. 2º) Assim sendo, o desafio humanitário pode e deve mudar-nos também, não de sítio mas no modo de estar e conviver. Escreve certeiramente o Papa: «Quem emigra é forçado a modificar certos aspetos que definem a sua pessoa e, mesmo sem querer, obriga a mudar também quem o acolhe». 3º) Por seu lado, os que chegam encontram-nos a nós, como somos e como estamos. Por isso o Papa Francisco acrescenta que, tutelada a sua dignidade, contribuirão para melhorarmos todos, «respeitando gratamente o património material e espiritual do país que os hospeda, obedecendo às suas leis e contribuindo para os seus encargos». 4º) Lembremo-nos, por fim, que a resposta a dar a quem chega não pode esquecer a solução dos problemas donde parte. Donde parte ou foge, mais por força das circunstâncias adversas do que propriamente pelo gosto de partir. Circunstâncias essas a que nem sempre são alheios alguns países que demoram em recebê-los. Como escreve o Papa, há também o «direito a não emigrar» e a «necessidade de ajudar os países donde partem os emigrantes e prófugos».

Amados irmãos e irmãs: São estas, muito especialmente, as circunstâncias em que celebramos o Natal de 2015. Correspondamos melhor do que aqueles habitantes de Belém de Judá aos que nos procurem agora. A quem nos procure de longe, ou a quem nos aguarde de perto, pois não falta entre nós quem busque refúgio para o corpo ou o espírito. Para que todos tenham lugar na “hospedaria” do nosso coração e possam ouvir connosco o celeste cântico dos anjos: «Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens por Ele amados».

Sé de Lisboa, Natal do Senhor (Missa da Noite), 25 de dezembro de 2015
+ Manuel, Cardeal-Patriarca 


Patriarcado de Lisboa

Mensagem de Natal do Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente - 2015


Papa na Missa de Natal: descobrir Jesus para viver o essencial



(RV) 24 de dezembro – Missa da Noite de Natal na Basílica de S. Pedro neste Ano Santo da Misericórdia. Em pleno Jubileu o Papa Francisco exortou os cristãos a pararem para contemplar o Menino Jesus na oração e a terem um estilo de vida simples, equilibrado e cheio de misericórdia que não se encha de luxo, prazer e consumo.

Na sua homilia o Santo Padre começou por citar as palavras do profeta Isaías: “Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo” (9, 2)! Os corações estão cheios de alegria porque a promessa realizou-se e “provém verdadeiramente de Deus”. E o “Menino Jesus é o verdadeiro consolador do coração”.

“Hoje, o Filho de Deus nasceu: tudo muda. O Salvador do mundo vem para Se tornar participante da nossa natureza humana: já não estamos sós e abandonados. A Virgem oferece-nos o seu Filho como princípio de vida nova. A verdadeira luz vem iluminar a nossa existência, muitas vezes encerrada na sombra do pecado. Hoje descobrimos de novo quem somos!”

Descobrir de novo a existência não permanecendo parados, eis o desafio do Papa Francisco: “Não nos é permitido ficar parados. Temos de ir ver o nosso Salvador, deitado numa manjedoura.”

Junto da manjedoura contemplemos o “Príncipe da Paz” e “permaneçamos em silêncio e deixemos que seja aquele Menino a falar” – afirmou o Santo Padre que sublinhou que se tomarmos Jesus nos nossos braços e “nos deixarmos abraçar por Ele, dar-nos-á a paz do coração que jamais terá fim. Este Menino ensina-nos aquilo que é verdadeiramente essencial na nossa vida.”

“Nasce na pobreza do mundo, porque, para Ele e a sua família, não há lugar na hospedaria. Encontra abrigo e protecção num estábulo e é deitado numa manjedoura para animais. E todavia, a partir deste nada, surge a luz da glória de Deus. A partir daqui, para os homens de coração simples, começa o caminho da verdadeira libertação e do resgate perene. Deste Menino, que, no seu rosto, traz gravados os traços da bondade, da misericórdia e do amor de Deus Pai, brota – em todos nós, seus discípulos, como ensina o apóstolo Paulo – a vontade de «renúncia à impiedade» e à riqueza do mundo, para vivermos «com sobriedade, justiça e piedade» (Tt 2, 12).”

Segundo o Papa Francisco “numa sociedade frequentemente embriagada de consumo e prazer, de abundância e luxo, de aparência e narcisismo”. Jesus “chama-nos a um comportamento sóbrio, isto é, simples, equilibrado, linear, capaz de individuar e viver o essencial.”

“Num mundo que demasiadas vezes é duro com o pecador e brando com o pecado, há necessidade de cultivar um forte sentido de justiça, de buscar e pôr em prática a vontade de Deus” – disse o Santo Padre na conclusão da sua homilia na Missa da Noite de Natal exortando os cristãos a terem um estilo de vida cheio de misericórdia baseado na oração:

“No seio duma cultura da indiferença, que não raramente acaba por ser cruel, o nosso estilo de vida seja, pelo contrário, cheio de piedade, empatia, compaixão, misericórdia, extraídas diariamente do poço da oração.”

(RS)

TEXTO INTEGRAL DA HOMILIA DO  PAPA FRANCISCO:



Nesta noite, resplandece «uma grande luz» (Is 9, 1); sobre todos nós, brilha a luz do nascimento de Jesus. Como são verdadeiras e actuais as palavras que ouvimos do profeta Isaías: «Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2)! O nosso coração já estava cheio de alegria vislumbrando este momento; mas, agora, aquele sentimento multiplica-se e sobreabunda, porque a promessa se cumpriu: finalmente realizou-se. Júbilo e alegria garantem-nos que a mensagem contida no mistério desta noite provém verdadeiramente de Deus. Não há lugar para a dúvida; deixemo-la aos cépticos, que, por interrogarem apenas a razão, nunca encontram a verdade. Não há espaço para a indiferença, que domina no coração de quem é incapaz de amar, porque tem medo de perder alguma coisa. Fica afugentada toda a tristeza, porque o Menino Jesus é o verdadeiro consolador do coração.

            Hoje, o Filho de Deus nasceu: tudo muda. O Salvador do mundo vem para Se tornar participante da nossa natureza humana: já não estamos sós e abandonados. A Virgem oferece-nos o seu Filho como princípio de vida nova. A verdadeira luz vem iluminar a nossa existência, muitas vezes encerrada na sombra do pecado. Hoje descobrimos de novo quem somos! Nesta noite, torna-se-nos patente o caminho que temos de percorrer para alcançar a meta. Agora, deve cessar todo o medo e pavor, porque a luz nos indica a estrada para Belém. Não podemos permanecer inertes. Não nos é permitido ficar parados. Temos de ir ver o nosso Salvador, deitado numa manjedoura. Eis o motivo do júbilo e da alegria: este Menino «nasceu para nós», foi-nos «dado a nós», como anuncia Isaías (cf. 9, 5). A um povo que, há dois mil anos, percorre todas as estradas do mundo para tornar cada ser humano participante desta alegria, é confiada a missão de dar a conhecer o «Príncipe da paz» e tornar-se um instrumento eficaz d’Ele no meio das nações.

Por isso, quando ouvirmos falar do nascimento de Cristo, permaneçamos em silêncio e deixemos que seja aquele Menino a falar; gravemos no nosso coração as suas palavras, sem afastar o olhar do seu rosto. Se O tomarmos nos nossos braços e nos deixarmos abraçar por Ele, dar-nos-á a paz do coração que jamais terá fim. Este Menino ensina-nos aquilo que é verdadeiramente essencial na nossa vida. Nasce na pobreza do mundo, porque, para Ele e sua família, não há lugar na hospedaria. Encontra abrigo e protecção num estábulo e é deitado numa manjedoura para animais. E todavia, a partir deste nada, surge a luz da glória de Deus. A partir daqui, para os homens de coração simples, começa o caminho da verdadeira libertação e do resgate perene. Deste Menino, que, no seu rosto, traz gravados os traços da bondade, da misericórdia e do amor de Deus Pai, brota – em todos nós, seus discípulos, como ensina o apóstolo Paulo – a vontade de «renúncia à impiedade» e à riqueza do mundo, para vivermos «com sobriedade, justiça e piedade» (Tt 2, 12).

Numa sociedade frequentemente embriagada de consumo e prazer, de abundância e luxo, de aparência e narcisismo, Ele chama-nos a um comportamento sóbrio, isto é, simples, equilibrado, linear, capaz de individuar e viver o essencial. Num mundo que demasiadas vezes é duro com o pecador e brando com o pecado, há necessidade de cultivar um forte sentido da justiça, de buscar e pôr em prática a vontade de Deus. No seio duma cultura da indiferença, que não raramente acaba por ser cruel, o nosso estilo de vida seja, pelo contrário, cheio de piedade, empatia, compaixão, misericórdia, extraídas diariamente do poço de oração.

Como os pastores de Belém, possam também os nossos olhos encher-se de espanto e maravilha, contemplando no Menino Jesus o Filho de Deus. E, diante d’Ele, brote dos nossos corações a invocação: «Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia, concede-nos a tua salvação» (Sal 85/84, 8).