26 outubro, 2012

Iniciou o Ano da Fé em Lisboa




“Reconhecer o Senhor na Sua Cruz”


Homilia na Solenidade da Dedicação da Sé Patriarcal e Abertura Diocesana do Ano da Fé
Sé Patriarcal, 25 de Outubro de 2012
  


1. Ano da Fé! Convite do Santo Padre a aprofundar a realidade da nossa vida. A fé é uma atitude exigente, que não nos oferece a experiência sensível das outras realidades, mas introduz na nossa vida uma realidade decisiva: a pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus feito Homem, que morreu por nós e venceu definitivamente a morte, fazendo-nos participantes dessa vitória. Ouvimos a Carta aos Hebreus: “A fé é um modo de possuir já aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem” (He. 11,1). E dessas realidades a primeira e decisiva é Jesus Cristo, Filho de Deus e Homem real, que nos convida a unirmo-nos a Ele para fazermos juntos a caminhada da vida.

Uma das fragilidades da fé é não vivermos esse realismo da pessoa de Jesus na nossa vida, Ele que uniu a nossa humanidade à Sua para caminharmos juntos em direcção à vida plena e definitiva. No encontro com Jesus Cristo, na fé, está sempre presente a esperança dessa etapa definitiva. Voltemos a meditar a Carta aos Hebreus que há pouco escutámos: “Necessitais apenas de perseverança, a fim de cumprirdes a vontade de Deus, e assim alcançardes o que Ele prometeu. Porque falta apenas um pouco e Aquele que deve vir vai chegar e não tardará” (He. 10,37-37).

2. A dificuldade deste realismo no reconhecer Jesus Cristo na totalidade de sentido da Sua existência sentiram-na os Apóstolos quando o Senhor ressuscitado lhes aparece. Para eles a humanidade do Homem Jesus tinha acabado no Sepulcro. Aquela figura que lhes aparece pode ser um espírito qualquer, mas não é o Senhor. E quais são os sinais que Ele, agora glorioso, usa para os levar a aceitar o realismo da Sua Pessoa e daquela aparição? Os sinais da Sua paixão. Diz a Tomé, o mais renitente em acreditar: “Chega aqui o teu dedo e vê as minhas mãos. Estende a tua mão e mete-a no meu lado. Não sejas incrédulo, mas crente” (Jo. 20,27). O Corpo glorioso do Senhor não podia ter as marcas do suplício da Cruz. Se Cristo as mostra é porque sabe, misteriosamente, que a identificação do ressuscitado passa pela identificação do crucificado.

É na Eucaristia, principal sacramento da nossa fé que este realismo da Cruz nos leva a encontrar o ressuscitado. “Tomai e comei, isto é o Meu Corpo entregue por vós”. “Tomai e bebei, este é o cálice do Meu sangue… derramado por vós”. Na Eucaristia, no mesmo acto em que, como povo sacerdotal, nos unimos a Cristo glorioso para oferecer a Deus Pai o sacrifício redentor, confrontamo-nos sempre com o realismo da Cruz. A Eucaristia celebra a actualidade do sacrifício redentor de Cristo e esse acontece na Cruz e encontra a sua plenitude na ressurreição. O Cristo que vem ao nosso encontro, na fé, que quer caminhar connosco até ao triunfo da vida, continua a ser o crucificado ressuscitado. É por isso que, na Liturgia, é obrigatório quer a Cruz presida ao altar da Eucaristia.

3. Como o Senhor mostrou aos Apóstolos ao aparecer-lhes depois da ressurreição, os sinais que nos dá para a sua identificação realista são os da Sua paixão: toca aqui nas minhas chagas e não sejas incrédulo. A nós diz-nos: se me queres encontrar glorioso na celebração eucarística, na adoração da Minha presença real no meio de vós, contempla a minha Cruz. Isto leva-nos a meditar sobre o papel da Cruz, da adoração da Cruz do Senhor na nossa caminhada de fé. Esta presença do crucificado na adoração do Cristo glorioso é própria da fé, isto é, de uma fase da nossa vida em que precisamos, para identificar o Senhor, do realismo de sinais sensíveis. E para o autor da Carta aos Hebreus, o justo vive da fé (cf. He. 10,38).
 Viver da fé, encontrarmo-nos com Cristo, na fé, identificando a nossa vida com a d’Ele, leva-nos a ansiar pela plenitude da vida, mas também a viver a nossa cruz, a realidade do sofrimento da nossa vida, participando do amor, da coragem e da esperança com que Ele abraçou a sua Cruz. Não é por acaso que é nessa coragem de abraçar a própria cruz, que encontramos mais realisticamente o Cristo glorioso. É nessa experiência de dom e de oferta da nossa própria vida que cresce em nós, em alegria libertadora, a esperança da vida eterna, que outra coisa não é do que a vontade de, em toda a nossa vida, seguir o Senhor, agora e até ao fim.
Dessa identificação com o crucificado, brota a sabedoria, isto é, a compreensão da vida, da sua beleza e do seu segredo. Como dizia a primeira leitura, não a podemos encontrar nas coisas preciosas deste mundo; ela está ligada à plenitude de Jesus Cristo. “Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue” (Sab. 7,10-11).

4. Neste Ano da Fé, contemplemos a Cruz de Cristo, na ansia de participar na sua glória, e procuremos aí a luz, a força e o sentido da nossa caminhada na vida.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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