25 março, 2010

2.º Aniversário do G. O. Verdade e Vida



14 de Março de 2010!

O Grupo de Oração 'Verdade e Vida', comemorou em festa, o 2.º Aniversário.
A Adoração ao Santíssimo, o Louvor e um lanche partilhado, marcaram este dia comemorativo.
O Padre Manuel, Assistente Regional e nosso Pároco e a Equipa Diocesana acompanharam-nos em todos os momentos da Oração e Adoração ao Senhor.
As palavras proferidas, pela Equipa Diocesana e pelo Padre Manuel, ao Grupo e ao Núcleo incentivando-nos à missão e ao serviço, tocaram-nos verdadeiramente.
Seguiu-se um lanche preparado pelos irmãos, partilhado na alegria e paz fraterna.


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II Assembleia Regional


Benfica/Lisboa, 28 de Fevereiro de 2010


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REPORTAGEM

18 março, 2010

15 março, 2010

Somos filhos da Ressurreição


O Novo Testamento apresenta-nos Jesus Cristo crucificado e morto (Jo 19, 30-31), sepultado num túmulo (Mc 16, 1), ressuscitado (Lc 24, 6; Mc 16, 6) e aparecendo ressuscitado (1Cor 15, 6). Lucas proclama a Ressurreição de Jesus: ‘Não está aqui. Ressuscitou’!
Deus, ao fazer presente o Ressuscitado nos corações, torna a Ressurreição nossa vitória. Jesus Ressuscitado torna-se fonte de vida, salvação e ressurreição para todos os que crêem n’Ele e vivem n’Ele.
Somos chamados a descer ao nosso sepulcro. Ele é sinal de morte causada pelo pecado. Esse nosso descer significa morrer por dentro, sempre que somos desprezados, humilhados, perseguidos, caluniados, rejeitados, maltratados, injustiçados.
Sempre que somos ultrapassados pelos outros ou ficamos feridos no orgulho; sempre que somos comandados pelo ressentimento, pelo poder, pela ganância, pela injustiça, pelo subjectivismo, pela falta de amor, precisamos de morrer e descer ao sepulcro; sempre que temos de aceitar os outros como eles são e não como queremos que eles sejam, necessitamos de morrer e descer à sepultura; sempre que a vaidade, a vanglória e os ídolos moram no coração temos de morrer.
Morte necessária para uma vida nova. Deixemo-nos morrer para que unidos ao Ressuscitado tenhamos Sua vida. Por Ele somos transformados. Vamos ressuscitando cada dia para uma vida nova, mais evangélica, mais santa e mais cheia de graça. Somos filhos da Ressurreição.

João Silva
Editorial do Labat n.º 102, de Março de 2010

Assumir a Palavra de Deus como luz para a vida



Depois de dois dias intensos de Encontros de Formação em cada um dos pólos, realizaram-se as quatro Assembleias Regionais.
Diferentes das do ano transacto, estas Assembleias tinham uma forte componente de formação, mas também de oração, de louvor, de acção de graças, de abertura, de renovação, de exercício de carismas e de derramamento do Espírito Santo.
Cada uma das zonas teve uma dinâmica distinta, muito pelas razões anteriormente apontadas, mas essencialmente porque todas são diferentes e em conjunto, com o auxílio do Espírito Santo, os grupos são capazes de coisas verdadeiramente espantosas, não só a nível da decoração, como acolhem, como apresentam as mesas, como são delicados e atenciosos na liturgia, como são animadores. Todos diferentes com um só objectivo, o de evangelizar em nome do Senhor.
O Padre Dário Pedroso, s.j., foi o elo comum entre três zonas falando sobre o tema: “Assumir a Palavra de Deus como luz para a vida: alimento da oração; forma da comunidade; sustento da missão”.
Na Portela, na Benedita e em Sintra falou olhando nos olhos dos presentes. Deixou inquietações, interrogações e meditações que todos, certamente, levaram para os seus grupos, a fim de crescerem mais e mais na reza da Palavra do Senhor.
Transcrevemos excertos dos ensinamentos partilhados pelo Padre Dário.

A Palavra de Deus não é uma coisa, é uma pessoa, Jesus Cristo

A Palavra de Deus não é uma coisa, é uma pessoa, Jesus Cristo, que quer entrar em intimidade comigo, o Verbo do Pai, o Filho bem-amado. A Palavra não é uma coisa, mas uma pessoa viva.
O Verbo é a segunda Pessoa da Trindade. Tudo foi feito por Ele e nada foi feito sem Ele. A Palavra vai realizando todas as coisas desde o princípio do mundo.
Ela falou dos mistérios, em aramaico. Revelou o mistério do Pai, do Paizinho, do Pai agricultor, do Pai providente, do Pai pródigo. Anuncia-nos o amor da Trindade. Jesus, Palavra do Pai dada aos homens, Palavra Divina.
A Palavra que me ama, que quer ter uma relação comigo, que quer fazer comunhão comigo. E foi a Palavra chamada Jesus que nos veio revelar com todo o amor, sabedoria, o mistério do Pai, da Eucaristia, todos os mistérios. Veio fundar o mistério da Igreja.
Não conhecemos a Palavra. Mas é preciso ler, rezar, conhecer a Palavra de Deus. A Palavra era a vida, os nacos no tempo de Jesus. Veio-nos revelar os mistérios de amor e da vida. Eu sou o bom Pastor, diz o Senhor. E nós não rezamos, não amamos, não meditamos a Palavra. A Palavra que é tesouro, a pérola, o tudo, o nosso amado, o esposo da alma.
Quantas vezes não amamos a Palavra, não A retemos no coração.
A Quaresma é um tempo do deserto. Temos que a amar mais, fazer da Palavra vida da nossa vida.
“Para mim viver é Cristo” diz S. Paulo, mas para nós, hoje em dia, não é Cristo, mas é a fofoquice.

“Escutai-me, prestai-me atenção e vivereis”

O Senhor diz muitas vezes: “Escutai-me, prestai-me atenção e vivereis”. Porque o coração, a alma também ouve. Temos que fazer silêncio para escutar a Palavra e sem ele não conseguimos escutar nenhuma palavra.
Precisamos de recolhimento, de fazer silêncio. Há o silêncio exterior, mas o mais importante é o silêncio interior. Santa Teresinha dizia que a imaginação é a louca da casa. É preciso pedir este silêncio interior. Sem ele não há oração, não escutamos a Palavra.
Escutai e vivereis, escutai e transformar-vos-ei. Aprender a fazer deserto na minha casa, no trabalho, no meio da azáfama, do barulho, aproveitar e fazer silêncio e escutar a Palavra.
Arranjar maneira de fazer deserto e entrar em intimidade com Ele. A atitude de um cristão é estar sempre com Ele, em namoro com Ele. Em quem é que hei-de pensar, senão n’Ele.
Escutai-me, vinde ter comigo e vivereis.
Quem ouve a Palavra e a põe em prática é como a casa construída sobre a rocha; quem não o faz, é como a casa construída sobre a areia. E como somos nós? Somos casa construída sobre a rocha ou sobre a areia?
Quantas vezes a nossa fé é uma fé enfezada. Em que muitos vão à missa e depois vão à bruxa.
Quando é construída sobre rocha podem vir todas as tempestades que não abano, nem estremeço, porque estou sob a rocha. É preciso meditar a Palavra, rezar, escutar, fazer silêncio e questionar-mo-nos sobre a Palavra.
Precisamos de acolher a Palavra. Que o Senhor nos liberte para a escuta atenta da Palavra. Cada frase tem um conteúdo riquíssimo que não escuto, não medito.
É preciso sermos homens e mulheres da Palavra. Quem tem o fogo da Palavra é incendiário, tal como foi o Padre Américo da Obra do Gaiato – um homem de fogo da Palavra, movido pela Palavra.
Não é preciso ser muito inteligente. Santa Catarina de Sena era analfabeta, mas abriu-se à Palavra, ao Espírito Santo. Não fechar o coração, como diz o Salmo “Se ouvirdes a Palavra do Senhor, não fecheis os corações”.
Como diz o excerto do texto do Documento Dei Verbum, do Concílio Vaticano II: “Quem não ouve a Palavra de Deus por dentro, torna-se um pregador vão e superficial”. Ouvi-la, escutá-la por dentro é como embalar uma criança e deixar-se transformar por dentro. Para escutar a Palavra por dentro é preciso silêncio interior, recolhimento, escuta atenta.
O grande amor que nos tem leva a que o Pai do céu queira que escutemos por dentro e é isso que nos falta. Sem isso não vamos longe na vida cristã e na fé.

Efeitos da Palavra de Deus: Frutos, Acções

- A Palavra vai-nos divinizando, cristificando à medida que rezo.
Dentro de nós é preciso evangelizar a inteligência, para pensar sempre como Jesus pensou. Como chuva miudinha que vai ensopando a terra, a Palavra de Deus vai-me ensopando.
É preciso crescer na Palavra para amar como Jesus amou, o mais pobre, o mais doente. Amar ao jeito de Jesus. A Palavra vai transformando, modificando o coração para amar ao jeito de Jesus. Mas a nossa vontade ainda não está evangelizada, porque não quero sempre fazer a vontade de Deus.
Tenho de evangelizar a minha vontade para querer o que Deus quer, aceitar a vontade de Deus, que por vezes é difícil, mas deixar que a Palavra evangelize a minha vontade.
A nossa afectividade também precisa ser evangelizada, porque temos muitos afectos desordenados, somos mulheres e homens em caminho de evangelização.
Os nossos olhos também não, porque olhamos e cobiçamos.
A língua também, porque estamos na crítica, na fofoquice. Somos homens e mulheres que necessitam de ser evangelizados para vivermos ao jeito de Jesus.
Dentro de mim há terra de missão, muita coisa que precisa de ser evangelizado: o coração, a vontade, a língua, os olhos, a sexualidade, a afectividade. Para sermos os novos cristãos.
É preciso grupos que se deixem tocar pela Palavra e que não fiquem apenas nos braços no ar. É preciso passar para a vida o Evangelho.

-  A Palavra fortalece, dá força, para levar a cruz de cada dia com alegria sem lamentações.
A Palavra anima e dá força para persistir às tentações que se são tantas, sejam elas as que forem. Também dá força para sofrer no silêncio. Palavra que dá força interior, como Santa Teresa de Ávila, é preciso uma determinação bem determinada.
Não sabemos resistir. A fortaleza interior é também um dom do Espírito Santo.

- A Palavra dá fé.
Para não termos uma fé enfezada, mas uma fé adulta. A fé veio pela Palavra. A Palavra faz crescer na fé, conhecer melhor os seus mistérios, Ela é o poço sem fundo.
A alma também tem escamas, tal como os olhos de S. Paulo, e cataratas.

- A Palavra converte.
A Palavra converte para nos ajudar a mudar de vida, só a Palavra nos faz homens e mulheres de Evangelho. Mudar de vida, de critérios para vivermos ao jeito do Evangelho. A Palavra que muda o coração, vai convertendo. Então o que é que é preciso pedir a Deus que mude? A língua é preciso fazer um esforço, é preciso penitência. A Palavra converte, apela à mudança.
Hoje em dia não interessa o que Jesus e Deus acham, mas o que eu acho importante. No mundo em desordem, a alma e o coração do mundo estão doentes e é a minha transformação ou conversão que ajuda o mundo.

- A Palavra de Deus ilumina os nossos passos.
A Palavra de Deus ilumina os nossos passos, para que a minha vida seja santa, caridosa, humilde. É preciso que a Palavra ilumine a nossa inteligência as nossas vontades. Os caminhos da vida não andam iluminados. Quanto mais rezo, mais Deus pega em mim e me transforma.
 
- Nossa Senhora foi a Senhora da Palavra
Paulo VI chama-lhe a Senhora da Palavra rezada, meditada. A primeira bem-aventurança do Evangelho é dita por Isabel: “Feliz tu porque acreditas-te em toda a Palavra que te foi dada da parte de Deus”. Deus escreve, Ela cumpre. Este desejo de viver a Palavra. Quem escuta vive num encanto novo com Jesus.

- A Palavra faz-se pão, alimento na Eucaristia
Como diz Jesus: “Quem me come permanece em mim e Eu nele”. Quem comunga é assim, duas vidas, uma só vida; dois corações, um só coração.
O dom da Eucaristia. A Palavra faz-se vida dentro de mim e é o Espírito Santo que me ajuda a compreender e a saborear a Palavra.
Os membros do Renovamento têm que ser homens e mulheres da Palavra, que comem, vivem, rezam, saboreiam e põem em prática a Palavra”.


Labat n.º 102 de Março de 2010

Jesus foi tentado?

 

Por causa da leitura do evangelho do primeiro Domingo da Quaresma sobre as chamadas “Tentações de Jesus”, fui interpelado por várias pessoas “escandalizadas” com semelhante leitura evangélica. Também eu me “escandalizei” com o “escândalo” dessas pessoas, incluindo um Padre. Mas é completamente normal semelhante atitude. Como é que Jesus, sendo Deus, Senhor e Salvador, se deixa tentar pelo Diabo?
Devemos começar por dizer que o “escândalo” depende, em grande parte, da linguagem hilemórfica das duas naturezas de Jesus, a humana e a divina.
O conceito natureza é tipicamente da gramática grega, mas não aparece na gramática nem no dicionário da língua hebraica. O mundo semântico da Bíblia é bem diferente do da grega. E é dentro deste mundo bíblico que devemos entender as tentações de Jesus.
Por muito estranho que pareça, o agente fundamental nas tentações não tem só a ver com Jesus ou com o Diabo, mas também com o Espírito Santo. A narrativa de Lucas 4, 1 começa assim: “Cheio do Espírito Santo, Jesus retirou-se do Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto”.
Depois das tais tentações, quando Jesus decide ir pregar o Reino de Deus na Galileia, Lucas escreve também: “Impelido pelo Espírito, Jesus voltou para a Galileia”.
A vida de Jesus é, pois, inseparável da vida do Espírito Santo. O que distingue o profeta Jesus dos demais profetas é sempre o Espírito Santo. Os tempos do Espírito Santo confundem-se com os tempos messiânicos.
Não é a Lei, a simples Palavra, mas o Espírito que discerne e explica. Razão porque Jesus afirma que todos os pecados são passíveis de perdão menos o pecado contra o Espírito Santo (Mateus 12, 32).
Para o Novo Testamento Jesus é um profeta, um taumaturgo, o filho de David, o Filho de Deus, o Emmanuel de Isaías, isto é, o Deus-Connosco.
Jesus é um judeu e não um político ou mestre de filosofia, moral e ética, como pensaram muitos historiadores e pensadores de velhos tempos racionalistas e românticos. É um judeu que veio para os judeus. Mas veio como Messias e, assim, realizar as velhas esperança messiânicas.
As “tentações” devem entender-se neste carrefour de ideias messiânicas. De facto, entre os séculos segundo a. C. e segundo d. C., os judeus, desanimados de tanto esperar pelo Messias, só esperavam a solução da sua vida numa perspectiva de escatologia apocalíptica.
Viria, em tempos de cronologia iminente, o dia terrível e definitivo do Juízo Final, em que Deus acabaria com os maus e os pagãos e apresentaria um Reino judaico de paz definitiva só para os bons judeus ortodoxos da linha apocalíptica.
João Baptista, em toda a sua grandeza, classificado por Jesus como o “maior nascido de mulher”, navegou por estas águas. E até se escandalizou de Jesus por comer com pecadores e aceitar na sua comitiva gente impreparada para este juízo final.
Diante das suas dúvidas, Jesus responde aos mensageiros de João Baptista, na prisão: “Ide dizer-lhe o que vedes e ouvis: Os cegos vêem, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, a Boa-Nova é anunciada aos pobres; e feliz de quem não tiver em mim ocasião de escândalo” . Jesus está a citar Isaías 61, 1.
Realmente, a vida de Jesus é salpicada de encontros desencontrados. Muitos o admiravam, aceitavam, acreditavam nele, mas muitos outros – a maioria? – não o aceitava.
Os seus próprios familiares tinham-no por “louco” (Mc 3, 21), Pedro não o compreendeu e Jesus chamou-lhe “Satanás” (Mc 8, 33), e aos fariseus, que lhe exigiam um sinal do Céu para o identificar como taumaturgo de Deus e não do Diabo, respondeu-lhes muito chateado (o texto de Marcos 8, 12, ao pé da letra, diz: “suspirou profundamente”): “sinal algum será concedido a esta geração!” (Mc 8, 12/Mt 16, 1-4/Lc 12, 54-56).
Jesus foi, portanto, muitas vezes posto à prova. O verbo grego é peirazein (Mc 12, 15/Mt 22, 18; Mt 22, 35). No Getsémani, Jesus pede aos apóstolos: “orai para não entrardes em tentação” (Mc 14, 38/Mt 26, 41/Lc 22, 46).
Em Lucas 22, 40, Jesus dirige a palavra aos seus discípulos: “Vós sois os que preservastes comigo nas minhas provas (tentaçõs)”. E ainda segundo Lucas, o Diabo, depois das tentações no deserto, promete regressar mais tarde, o que aconteceu no Getsémani (Lc 22, 3. 31).
Não vamos aqui discutir o problema linguístico sobre a “natureza” do diabo e dos demónios: são pessoas, seres ontológicos, racionais e livres? São entes “divinos” a simbolizar o poder do Mal? A Bíblia é, de facto, uma grande narrativa dramática (diferente de “tragédia”) onde Deus, anjos e demónios, intervêm.
Por mais que a ciência e a filosofia perscrutem a raiz do mal no mundo, continuamos como o Job bíblico a cuspir para o céu, cheios de dúvidas e interrogações.
Jesus foi tentado, no deserto, como Moisés e Elias, porque precisava de separar as águas sobre o modelo de messianismo a pregar na Galileia. Um messianismo apocalíptico? Um messianismo de escatologia de juízo implacável? Um messianismo dirigido apenas aos bons? Um messianismo de escatologia realizada dirigida a bons e a maus?
O Diabo, na narrativa midráchica das tentações, oferece a Jesus todos os reinos do mundo e todo o espectáculo populista de vaidade e vanglória. Jesus não aceita. O Diabo propõe o seu messianismo com textos bíblicos do Deuteronómio e Jesus responde com outros textos bíblicos.
A “bulha” é de personagens – Jesus e o Diabo – e os argumentos provêm do AT, como cânone divino de projecto, caminho e vida. Há dois caminhos e dois projectos. Jesus escolheu o projecto do Espírito porque viva cheio do mesmo Espírito. Jesus consubstancia-se, isto é, recebe a sua identidade, vocação e missão neste Espírito.
O mundo sem Espírito é um mundo vazio de ideias e ideais. Para o preencher vai buscar o “espírito deste mundo” ao espectáculo idolátrico/diabólico do dinheiro, do egoísmo, das aparências do populismo político e do próprio populismo religioso, que distribui milagres “à la carte”, contrário à doutrina de Jesus.
A taumaturgia (os milagres) de Jesus é aceite pelos doutores da Lei, que a interpretam por obra e graça de Belzebú, o príncipe dos demónios. Jesus responde-lhes que não está feito com os demónios mas apenas com o Espírito Santo (Mc 3, 22-30), como responde aos fariseus, que lhe pedem sinais milagrosos, pela ausência de tais sinais (Mc 8, 12-13).
O grande sinal era Ele e só Ele.
O grande “escândalo” termina numa crucificação, “loucura para os que se perdem mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus” (1Cor 1, 18).

Pe. Joaquim Carreira das Neves, OFM.
Labat n.º 102 de Março de 2010

O Ressuscitado, Fonte de Vida



“Porque motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou” (Lc 24,5-6). Foi a fé na ressurreição, primeiro anunciada a alguns, depois partilhada por todos, nas diversas aparições do Ressuscitado, que é a base, o fundamento, a fonte da nossa vida cristã.
Por isso se diz nos Actos nos Apóstolos: “Nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais a cumpriu Deus para nós seus filhos, ao ressuscitar Jesus” (13,32-33).
O Catecismo da Igreja Católica afirma: “A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal...”(CIC 638).
Fixemo-nos um pouco nas palavras: verdade culminante, acreditada, vivida, estabelecida, pregada, parte essencial do mistério pascal.
A ressurreição, testemunhada por muitas testemunhas, colocada por escrita nos textos do Novo Testamento, pregada pelos apóstolos, é um acontecimento histórico e transcendente. O próprio S. Paulo, a quem Jesus aparece a caminho de Damasco, transmite resta verdade e esta certeza histórica (Cf 1Cor 15,3-4).
Os textos não descrevem o corpo glorioso, pois é uma realidade espiritual que nos escapa, que a nossa inteligência não é capaz de captar. Insistem os textos na verdade da ressurreição, na certeza que Jesus está Vivo.
É essa verdade essencial que lhes importava transmitir às gerações futuras. Aquele que foi morto e sepultado, aparece-lhes, vivo e glorioso, falou com eles, partilhou com eles a paz e a alegria, o gozo da sua vida nova.
E esta certeza, este acontecimento histórico é de tal modo importante, que é a fonte da vida cristã, da vida da Igreja. Se Ele não tivesse ressuscitado éramos os mais desgraçados dos homens, a nossa fé era vã e sem sentido, sem fundamento.
Aqueles homens e mulheres, que depois da Sexta Feira Santa, ficaram sem fé, tristes, desanimados, frustrados, que mesmo depois das aparições ainda duvidam, Jesus ainda lhes parece um fantasma, vão fazendo a experiência de um Jesus Vivo, “ a sua fé na ressurreição nasceu – sob a acção da graça divina - da experiência directa da realidade de Jesus Ressuscitado” (Cf. CIC 644).
Viram-No, falaram com Ele, tocaram-No, estiveram com Ele à mesa, passearam com Ele na praia do mar da Galileia. O próprio corpo ressuscitado, espiritual, traz as marcas da paixão, embora possua as novas propriedades dum corpo glorioso.
Mas a ressurreição não é um regresso à vida terrena que Jesus possui e viveu. Com Jesus não sucede o mesmo com Lázaro, com a filha de Jairo, com o jovem, filho da viúva de Naim. Estes voltaram à sua vida terrena, antes de morrerem, não ressuscitaram, propriamente dito, e um dia voltarão a morrer.
A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente, o corpo do ressuscitado passa a uma outra ordem, é um corpo glorioso, espiritual, participando da vida divina no estado da sua glória (Cf. CIC 645-646). É um “homem celeste”, como afirma S. Paulo (Cf. 1 Cor 15,35-50).
Apesar de histórica, é transcendente. Não podemos afirmar quando se deu, como se deu, qual a sua essência íntima, como é um corpo “celeste”, como se realizou a passagem a uma outra vida.
Não sabemos o “como”, mas sabemos que existiu, sabemos a sua transcendência, a sua veracidade, as suas consequências na vida dos discípulos e das primeiras comunidades cristãs.

Ele está Vivo. É o Senhor da glória.


Dário Pedroso, s.j.
Labat n.º 102 de Março de 2010

Não desprezareis, Senhor, um espírito humilhado e contrito (Sl 50, 19)



No itinerário quaresmal proposto a toda a Igreja, aproximam-se os dias do retiro anual dos grupos de oração do Renovamento Carismático da Diocese de Lisboa, já nos próximos dias 19, 20 e 21 de Março.
O Senhor revela-nos assim a Sua misericórdia concedendo-nos estes dias de deserto, de oração e de encontro com o mistério da graça e do perdão de Deus. Nestes dias o Senhor quer visitar-nos com a Sua Palavra e dizer a cada um de nós: “Já não vos chamo servos mas amigos porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai” (Jo 15, 15).
É fundamental partir para estes dias de retiro com o coração disponível, criar condições para escutar a Palavra de Deus que nos recria e nos chama à conversão.
No ruído do dia-a-dia nem sempre estamos despertos para acolher a presença de Deus que nos convida a mudar de vida, a trilhar caminhos novos, a derrubar os ídolos que nos afastam da verdadeira Vida, enfim, a percorrer os caminhos da construção do Reino.

Por isso, antes de mais, devemos estar agradecidos por este convite que Deus nos faz a partir, como peregrinos e pecadores, confiantes e na certeza de que o Senhor que me chama também me fala e dá a mão.
Peçamos ao Espírito de Deus, nestes dias de preparação para o retiro, que nos dê um coração humilhado e contrito, que nos ajude a ver a nossa realidade e como estamos a precisar destes dias de escuta e de confronto com a Palavra Criadora de Deus.

Que o Senhor nos ajude a deixar “as redes” que nos prendem e atrapalham a vida e nos dê o desejo sincero de participar com alegria e seriedade nestes dias que nos lançarão para a celebração do Tríduo Pascal, o coração do mistério da liturgia.
Deixo-vos com as palavras do Santo Padre, que nos visitará em breve, na oração do Angelus de 28 de Fevereiro de 2010 e que nos falam da Alegria: “As alegrias que Deus nos oferece na vida (como este retiro, por exemplo) não são um fim mas um impulso para fazer de Jesus o centro da própria existência.
As alegrias semeadas por Deus na vida não são pontos de chegada, mas sim luzes que Ele nos dá na peregrinação terrena, para que somente Jesus seja a nossa lei e a Sua Palavra o critério que guia a nossa existência”.

Saúda-vos com esperança,
 

Pe. Bruno Machado 
(Assistente Diocesano do RCC da Diocese de Lisboa)
Labat n.º 102 de Março de 2010

11 março, 2010

Nota Pastoral - Visita do Papa Bento XVI a Portugal



Reavivar a fé, dinamizar a esperança, revigorar a caridade e fortalecer a unidade

A visita do Papa Bento XVI a Portugal é um acontecimento de singular importância e, por isso, deve ser preparada condignamente, não apenas no brilho exterior e no ambiente festivo, mas sobretudo no horizonte da fé, da construção da unidade eclesial e de uma sociedade mais justa e fraterna.
Vem até nós como peregrino e a Igreja em Portugal deverá caminhar com o sucessor de Pedro, redescobrindo no cristianismo uma experiência de sabedoria e missão.
Sabedoria vivida no conhecimento das realidades terrestres, a partir de uma referência a valores, de modo que, na fidelidade à identidade cristã, sejamos capazes de dar um contributo positivo à construção de uma sociedade mais justa; missão como itinerário de uma vida que se quer mergulhada no mundo, mas diferente em opções e atitudes, e que, sobretudo pelo exemplo, anuncia Cristo e a sua boa nova.

1. PREPARAÇÃO ADEQUADA

Há uma feliz coincidência entre o tempo que antecede a visita do Santo Padre e a vivência litúrgica da Quaresma e do Tempo Pascal.
1.1. Na Quaresma, será importante reflectir e responder aos desafios da mensagem preparada pelo Papa Bento XVI: “A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo” (cf. Rm 3, 21-22). Destacamos três pensamentos:
– A justiça será possível na medida em que se der ao homem o que ele verdadeiramente requer: Deus. Isto acontecerá através do testemunho de comunidades que se deixaram converter pelas interpelações de um anúncio fiel do Evangelho.
– Comprometer-se com a justiça exige trabalho interior para afastar uma “força de gravidade estranha” que permanentemente nos impele para o egocentrismo, a afirmação pessoal e o individualismo. Só vivendo em conversão permanente, a Igreja poderá apresentar‑se com credibilidade, num mundo em que se pretende impor o relativismo e o indiferentismo.
– Ser justo implica assumir uma dinâmica libertadora do pobre, do oprimido, do estrangeiro, da viúva, do órfão... “O cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver, segundo a própria dignidade de pessoa humana, e onde a justiça é vivificada pelo amor”.
1.2. A Páscoa pode e deve tornar-se tempo favorável para mostrar ao mundo um “rosto de gente salva”, feliz, porque infinitamente amada por Deus. É importante que Cristo actue em nós, nos redima, nos transforme a mente e o coração, nos liberte do mal. Só assim seremos verdadeiros rostos de Cristo no mundo onde Ele nos envia e aí assumiremos o estatuto de apóstolos corajosos que concretizam uma necessária e urgente comunicação de Cristo nos ambientes do agir quotidiano: política e saúde, indústria e comércio, agricultura e pescas, educação e ensino, trabalho e lazer.
O dinamismo da Páscoa de Cristo precisa de encarnar em atitudes e gestos de esperança perseverante e de amor criativo.

2. ACOLHER A MENSAGEM

A visita do Papa não é apenas a Lisboa, a Fátima e ao Porto, mas a todo o Portugal, a todos os portugueses e também aos nossos irmãos imigrantes que trabalham e convivem connosco. O Papa a todos quer saudar, independentemente do seu credo ou da sua ideologia.
Assim, a nossa presença nos diversos momentos e lugares do programa da visita, testemunhará o amor ao Papa e a vontade explícita de aceitar as suas propostas. Para facilitar a comunicação, foi criado um site oficial – www.bentoxviportugal.pt – onde é possível encontrar as mais variadas informações, de modo a dinamizar a preparação, a realização e a continuidade da visita.

3. CONTINUIDADE E COMPROMISSOS

A nossa tradição cristã está marcada pelo respeito, apreço e fidelidade à Igreja de Roma. A cátedra de Pedro e dos seus sucessores, como recorda S. Inácio de Antioquia, é «a que preside na caridade», entre todas as Igrejas locais.
Preparar a visita do Papa Bento XVI e acolher os seus desafios deverá desenvolver em nós os dinamismos seguintes:
Reavivar a nossa fé através de um encontro mais consciente com a Palavra de Deus, dando às nossas comunidades um rosto missionário.
Dinamizar a nossa esperança, para podermos abrir caminhos de solução às dificuldades e crises que a nossa sociedade atravessa.
Revigorar a nossa caridade, dando maior consistência aos inúmeros espaços de solidariedade e acção social, como resposta aos dramas da sociedade, particularmente as novas formas de pobreza.
Fortalecer a nossa unidade através de um projecto de pastoral comum, acolhido por todas as comunidades, com o intuito de poder responder às alterações civilizacionais em que vivemos.

4. ACÇÕES CONCRETAS A PROMOVER

Confiando na criatividade das Dioceses e Paróquias, Congregações e Movimentos, apresentamos algumas sugestões para a preparação da visita de Sua Santidade o Papa Bento XVI:
Colocar esta visita nas intenções da oração pessoal e comunitária.
Aproveitar as acções de formação que a Igreja costuma promover (Retiros, Cursos, Encontros, Palestras, Publicações) para abordar temas relacionados com o Papa: Igrejas particulares e Igreja universal; Missão do Bispo de Roma e Pastor da Igreja universal; Catolicidade e diversidade, obediência e liberdade na Igreja; Temas fundamentais do magistério do Papa Bento XVI, etc.
Promover e facilitar a participação nas celebrações eucarísticas presididas pelo Santo Padre em Portugal (Lisboa, Fátima e Porto) e noutros encontros de sectores.
Queremos apelar a todos, para que não deixem que esta visita do Santo Padre se esgote num mero acontecimento passageiro, porventura muito participado e festivo, mas que seja antes uma semente que germine e dê frutos de renovação espiritual, apostólica e social.

Fátima, 1 de Março de 2010

06 março, 2010

Mensagem Quaresmal - D. José Policarpo

Mensagem do Cardeal-Patriarca de Lisboa

para a Quaresma de 2010

 

Acolher o Papa é aceitar o desafio da Redenção

Queridos irmãos e irmãs, 


Aproxima-se a Quaresma. É um tempo litúrgico que nos propõe, no realismo do presente da nossa vida, a radicalidade da Redenção. Celebremos a Páscoa, não apenas como uma rotina adquirida, mas como um assumir, com verdade e generosidade, aquela “passagem”, aquela mudança na nossa vida, que nos permita sentir a alegria da vida nova que começa na ressurreição de Cristo, aquela luz que aponta novos caminhos e dá à nossa vida um sentido novo. Em cada Páscoa devemos sentir que a morte de Cristo não foi em vão, que ela continua a ser a fonte abundante donde jorra a água que fecunda e transforma, capaz de mudar o coração do homem e o tornar digno da vida eterna.
Com esta Mensagem, pretendo, como Patriarca de Lisboa, dinamizar os cristãos da nossa Diocese, a aceitarem o realismo e a actualidade da redenção, a abrirem os seus corações à misteriosa fecundidade da Cruz de Cristo, que levou o amor por nós ao extremo de sacrificar a sua própria vida. Com esta Mensagem, não pretendo substituir ou relativizar aquela que o Santo Padre Bento XVI, para a Quaresma deste ano, dirigiu a toda a Igreja; pretendo, apenas, situar, na realidade actual da nossa Igreja diocesana, a palavra que o Papa dirige a toda a Igreja. Assim perceberemos melhor que a Páscoa é uma festa de toda a Igreja, e que a “passagem” que ela nos sugere é desafio para toda a comunidade humana.
Não posso esquecer que nos preparamos para receber a visita pastoral de Sua Santidade Bento XVI à nossa diocese, no próximo dia 11 de Maio. A Quaresma será, também, um tempo forte de preparação dessa visita. Para que ela seja, para os cristãos de Lisboa, um momento de graça, ela tem de significar um reencontro de cada um de nós com Nosso Senhor Jesus Cristo, com a Sua Páscoa libertadora.


1. O Santo Padre centrou a sua Mensagem no fruto precioso da redenção, que é a justiça. Cristo é o Justo, diante de Deus e diante dos homens, e mereceu, na sua morte, poder tornar-nos justos, segundo a linguagem de São Paulo, ser justificados. Só em Cristo o homem se torna completamente justo, ele que pagou um preço pesado à injustiça, porque deixou o pecado endurecer o seu coração, isto é, manchar a sua inteligência e a sua liberdade. Esta visão sobre a verdadeira justiça significou uma revolução no pensamento acerca dos caminhos da justiça. Não basta mudar as leis, corrigir desequilíbrios sociais; é preciso mudar o coração do homem. Este não pode limitar-se a esperar que lhe seja feita justiça; tem de aceitar uma mudança interior para que os novos caminhos da justiça sejam os novos caminhos da liberdade. E, para os cristãos, o caminho desta mudança interior, está claramente indicado: participar na Páscoa de Cristo, acreditando n’Ele e na sua ressurreição. “A justiça de Deus manifestou-se mediante a fé em Jesus Cristo” (cf. Rom. 3,21-22), porque “o justo viverá da fé”, porque nele a justiça de Deus revela-se na fé (cf. Rom. 1,17). Essa conversão interior do homem a que São Paulo chama justiça, só pode ser fruto do amor. O amor é a força que realiza a justiça. O Santo Padre termina assim a sua Mensagem: No Tríduo Pascal “celebraremos a justiça divina, que é plenitude de caridade, de dom, de salvação. Que este tempo penitencial seja para cada cristão tempo de autêntica conversão e de conhecimento intenso do mistério de Cristo, que veio para realizar a justiça”.
A justiça, obra do Espírito de Deus em nós, à qual nos abrimos pela fé, coincide com a santidade. Esta é a plenitude da justiça, porque nos torna semelhantes a Deus e participantes da sua vida de amor. Desejamos muito que a proposta da santidade seja o grande desafio que nos lança a visita do Santo Padre.


Santidade e Missão 


2. Escolhemos para lema da visita do Papa a Lisboa “Santidade e Missão”. A santidade é exigência da nossa identificação com Cristo e dinamismo mobilizador para a missão. A santidade começa na fé profunda e sincera, exprime-se na caridade, torna-nos família de Deus. Só ela cria em nós o desejo e a força para a missão, para anunciar o Senhor, para viver de tal forma que sejamos a inauguração do Reino de Deus no meio do mundo. Só o ardor e a inquietação do amor nos mobiliza para a missão. Só a caridade cria em nós a urgência do Reino de Deus, ajudando a instaurar a justiça na cidade dos homens. Sem essa motivação da caridade a missão só é programa, porventura estratégia, mas não é aquele fogo devorador que o próprio Senhor sentiu. “Eu vim lançar o fogo à terra e só desejo que ela se incendeie” (Lc. 12,49).
Foi esse ardor da caridade, que leva a perceber a vida como um dom, que fez partir missionários para longes terras para anunciarem essa descoberta inaudita da fé que nos salva; é esse fogo da caridade que ajudará os cristãos a serem, no meio do mundo tão repassado de injustiças e tão carente de amor, testemunhas da verdadeira justiça, expressão de um amor radicado na verdade; é essa força da fé que dá coragem aos esposos para serem fiéis, no seu amor, ao amor com que Cristo nos amou; é esse desejo de testemunhar a fé que leva hoje, tantos homens e mulheres, jovens e adultos, a não cederem ao espírito do mundo e a serem, na Igreja, obreiros da evangelização. 


3. A presença dos cristãos na sociedade, a agirem e a reagirem à realidade com as exigências da justiça é elemento decisivo para a transformação da sociedade na linha do Reino de Deus. Só “homens justos” podem ajudar a transformar a sociedade na linha da justiça. Há uma fecundidade da presença dos justos na sociedade. É que o ideal do “justo” é a santidade, sabe que a sua luta será estéril se não assentar na verdade, tem a humildade de reconhecer que não se torna justo só a partir de si, mas precisa da ajuda do “Outro”, “o Justo”, para vencer a injustiça no seu coração. Ele sabe que a grande causa das injustiças da sociedade estão no coração dos homens. E esse, só Cristo o pode redimir. A luta pela justiça é a aceitação humilde da Redenção. 


4. Para a celebração presidida pelo Santo Padre, no dia 11 de Maio, no Terreiro do Paço, convoco todos os cristãos da diocese que se deixaram tocar por este desejo de mudar o coração, para serem “justos” e obreiros da justiça. Os esposos, pais e mães das nossas crianças e dos nossos jovens, para que lhes comuniquem o verdadeiro horizonte da justiça, ensinando-lhes a liberdade; os catequistas, para que, com o seu testemunho sincero, ajudem os outros a descobrir a vida como obra de justiça e de amor; todos os que, na realidade quotidiana da nossa sociedade, no trabalho, na empresa, na política, sentem o contraste de uma ideia de justiça à medida do homem e das suas forças, com o ideal da justiça que é obra do Espírito, que se recebe para se comunicar, e começa pela transformação interior, fazendo-os perceber que só os “justos” constroem a justiça. E só são verdadeiramente justos os que foram justificados. Convoco, de um modo particular, os jovens da nossa diocese. Venham, para aprender com o Santo Padre, a luta pela justiça, que é luta pela verdade e, só possível com fé, confiança sem limites na força de Jesus Cristo.
Espero que todos preparem na Quaresma o seu coração para a surpresa de Deus na Páscoa deste ano; só isso os tornará acolhedores à palavra do Papa. A celebração do Terreiro do Paço tem de ser a Páscoa continuada. 


5. A justiça é obra de amor. A vida é um dom: tudo o que somos e temos pode transformar-se em dom. A verdadeira partilha é obra de justiça. Convido todos os católicos da diocese a partilharem generosamente o que são e o que têm. A nossa Renúncia Quaresmal permitirá ao “Fundo Diocesano de Ajuda Inter-Eclesial” responder aos imensos pedidos de ajuda material vindos de Igrejas irmãs. Há já muitos pedidos a que ainda não pudemos responder. Para além do ofertório específico que já foi feito para os irmãos do Haiti, o Patriarcado continuará atento à necessária ajuda à Igreja local, no exigente período de reconstrução e da criação de condições para o exercício da sua missão.
Caminhemos para a Páscoa, escutando a Palavra de Deus; fortaleçamos a nossa fé no encontro renovado com Cristo Pascal e isso tornar-nos-á mais preparados para sermos obreiros da justiça, na edificação do Reino de Deus. 


Domingo, 14 de Fevereiro de 2010

Mensagem Quaresmal - Papa Bento XVI

 
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE
O PAPA BENTO XVI
PARA A QUARESMA DE 2010
A justiça de Deus está manifestada
mediante a fé em Jesus Cristo
(cfr Rom 3, 21–22 )


Queridos irmãos e irmãs, 


Todos os anos, por ocasião da Quaresma, a Igreja convida-nos a uma revisão sincera da nossa vida à luz dos ensinamentos evangélicos . Este ano desejaria propor-vos algumas reflexões sobre o tema vasto da justiça, partindo da afirmação Paulina: A justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo (cfr Rom 3,21 – 22 ). 


Justiça: “dare cuique suum” 


Detenho-me em primeiro lugar sobre o significado da palavra “justiça” que na linguagem comum implica “dar a cada um o que é seu – dare cuique suum”, segundo a conhecida expressão de Ulpiano, jurista romana do século III. Porém, na realidade, tal definição clássica não precisa em que é que consiste aquele “suo” que se deve assegurar a cada um. Aquilo de que o homem mais precisa não lhe pode ser garantido por lei. Para gozar de uma existência em plenitude, precisa de algo mais intimo que lhe pode ser concedido somente gratuitamente: poderíamos dizer que o homem vive daquele amor que só Deus lhe pode comunicar, tendo-o criado á sua imagem e semelhança. São certamente úteis e necessários os bens materiais – no fim de contas o próprio Jesus se preocupou com a cura dos doentes, em matar a fome das multidões que o seguiam e certamente condena a indiferença que também hoje condena centenas de milhões de seres humanos à morte por falta de alimentos, de água e de medicamentos - , mas a justiça distributiva não restitui ao ser humano todo o “suo” que lhe é devido. Como e mais do que o pão ele de facto precisa de Deus. Nora Santo Agostinho: se “ a justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu…não é justiça do homem aquela que subtrai o homem ao verdadeiro Deus” (De civitate Dei, XIX, 21). 


De onde vem a injustiça? 


O evangelista Marcos refere as seguintes palavras de Jesus, que se inserem no debate de então acerca do que é puro e impuro: “Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. Porque é do interior do coração dos homens, que saem os maus pensamentos” (Mc 7,14-15.20-21). Para além da questão imediata relativo ao alimento, podemos entrever nas reacções dos fariseus uma tentação permanente do homem: individuar a origem do mal numa causa exterior. Muitas das ideologias modernas, a bem ver, têm este pressuposto: visto que a injustiça vem “de fora”, para que reine a justiça é suficiente remover as causas externas que impedem a sua actuação: Esta maneira de pensar - admoesta Jesus – é ingénua e míope. A injustiça, fruto do mal , não tem raízes exclusivamente externas; tem origem no coração do homem, onde se encontram os germes de uma misteriosa conivência com o mal. Reconhece-o com amargura o Salmista:”Eis que eu nasci na culpa, e a minha mãe concebeu-se no pecado” (Sl. 51,7). Sim, o homem torna-se frágil por um impulso profundo, que o mortifica na capacidade de entrar em comunhão com o outro. Aberto por natureza ao fluxo livre da partilha, adverte dentro de si uma força de gravidade estranha que o leva a dobrar-se sobre si mesmo, a afirmar-se acima e contra os outros: é o egoísmo, consequência do pecado original. Adão e Eva, seduzidos pela mentira de Satanás, pegando no fruto misterioso contra a vontade divina, substituíram á lógica de confiar no Amor aquela da suspeita e da competição ; á lógica do receber, da espera confiante do Outro, aquela ansiosa do agarrar, do fazer sozinho (cfr Gn 3,1-6) experimentando como resultado uma sensação de inquietação e de incerteza. Como pode o homem libertar-se deste impulso egoísta e abrir-se ao amor? 


Justiça e Sedaqah 


No coração da sabedoria de Israel encontramos um laço profundo entre fé em Deus que “levanta do pó o indigente (Sl 113,7) e justiça em relação ao próximo. A própria palavra com a qual em hebraico se indica a virtude da justiça, sedaqah, exprime-o bem. De facto sedaqah significa, dum lado a aceitação plena da vontade do Deus de Israel; do outro, equidade em relação ao próximo (cfr Ex 29,12-17), de maneira especial ao pobre, ao estrangeiro, ao órfão e á viúva ( cfr Dt 10,18-19). Mas os dois significados estão ligados, porque o dar ao pobre, para o israelita nada mais é senão a retribuição que se deve a Deus, que teve piedade da miséria do seu povo. Não é por acaso que o dom das tábuas da Lei a Moisés, no monte Sinai, se verifica depois da passagem do Mar Vermelho. Isto é, a escuta da Lei , pressupõe a fé no Deus que foi o primeiro a ouvir o lamento do seu povo e desceu para o libertar do poder do Egipto (cfr Ex s,8). Deus está atento ao grito do pobre e em resposta pede para ser ouvido: pede justiça para o pobre ( cfr.Ecli 4,4-5.8-9), o estrangeiro ( cfr Ex 22,20), o escravo ( cfr Dt 15,12-18). Para entrar na justiça é portanto necessário sair daquela ilusão de auto – suficiência , daquele estado profundo de fecho, que á a própria origem da injustiça. Por outras palavras, é necessário um “êxodo” mais profundo do que aquele que Deus efectuou com Moisés, uma libertação do coração, que a palavra da Lei, sozinha, é impotente a realizar. Existe portanto para o homem esperança de justiça?  


Cristo, justiça de Deus 

O anuncio cristão responde positivamente á sede de justiça do homem, como afirma o apóstolo Paulo na Carta aos Romanos: “ Mas agora, é sem a lei que está manifestada a justiça de Deus… mediante a fé em Jesus Cristo, para todos os crentes. De facto não há distinção, porque todos pecaram e estão privados da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente pela Sua graça, por meio da redenção que se realiza em Jesus Cristo, que Deus apresentou como vitima de propiciação pelo Seu próprio sangue, mediante a fé” (3,21-25)
Qual é portanto a justiça de Cristo? É antes de mais a justiça que vem da graça, onde não é o homem que repara, que cura si mesmo e os outros. O facto de que a “expiação” se verifique no “sangue” de Jesus significa que não são os sacrifícios do homem a libertá-lo do peso das suas culpas, mas o gesto do amor de Deus que se abre até ao extremo, até fazer passar em si “ a maldição” que toca ao homem, para lhe transmitir em troca a “bênção” que toca a Deus (cfr Gal 3,13-14). Mas isto levanta imediatamente uma objecção: que justiça existe lá onde o justo morre pelo culpado e o culpado recebe em troca a bênção que toca ao justo? Desta maneira cada um não recebe o contrário do que é “seu”? Na realidade, aqui manifesta-se a justiça divina, profundamente diferente da justiça humana. Deus pagou por nós no seu Filho o preço do resgate, um preço verdadeiramente exorbitante. Perante a justiça da Cruz o homem pode revoltar-se, porque ele põe em evidencia que o homem não é um ser autárquico , mas precisa de um Outro para ser plenamente si mesmo. Converter-se a Cristo, acreditar no Evangelho, no fundo significa precisamente isto: sair da ilusão da auto suficiência para descobrir e aceitar a própria indigência – indigência dos outros e de Deus, exigência do seu perdão e da sua amizade.
Compreende-se então como a fé não é um facto natural, cómodo, óbvio: é necessário humildade para aceitar que se precisa que um Outro me liberte do “meu”, para me dar gratuitamente o “seu”. Isto acontece particularmente nos sacramentos da Penitencia e da Eucaristia. Graças à acção de Cristo, nós podemos entrar na justiça “ maior”, que é aquela do amor ( cfr Rom 13,8-10), a justiça de quem se sente em todo o caso sempre mais devedor do que credor, porque recebeu mais do que aquilo que poderia esperar.
Precisamente fortalecido por esta experiência, o cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivificada pelo amor.
Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma culmina no Tríduo Pascal, no qual também este ano celebraremos a justiça divina, que é plenitude de caridade, de dom, de salvação. Que este tempo penitencial seja para cada cristão tempo de autentica conversão e de conhecimento intenso do mistério de Cristo, que veio para realizar a justiça. Com estes sentimentos, a todos concedo de coração, a Bênção Apostólica. 


Vaticano, 30 de Outubro de 2009
BENEDICTUS PP. XVI